Change.org
Lobbies à parte, apoio ao uso de energia solar ganha adeptos no Brasil
De um lado as distribuidoras de energia, de outro as empresas de geração; no meio, os brasileiros querendo energia limpa e contas baratas


Nem todo mundo sabe, mas a tarifa da conta de luz inclui uma descrição com várias letras miudinhas indicando os encargos, impostos e o custo pelo uso da rede de transmissão e distribuição, além da energia gasta efetivamente. Na semana passada, um debate “em torno do sol” ganhou as manchetes de notícias, deixando o consumidor comum brasileiro sem saber exatamente o que pode ganhar ou perder com a revisão que está sendo feita no setor.
Em janeiro do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu início a um processo de revisão de sua Resolução Normativa nº 482/2012, a que criou o sistema de compensação de energia elétrica, permitindo que empresas ou qualquer pessoa gere sua própria energia. De imediato surgiram as primeiras reações, como a abertura de um abaixo-assinado pedindo por mais acesso e incentivo ao uso de energia solar fotovoltaica.
A petição, hospedada na plataforma Change.org, alcançou até agora mais de 471 mil assinaturas, sendo 9 mil delas no último mês, período em que os debates se intensificaram. A polêmica gira em torno de um subsídio oferecido a casas e empresas que atuam na geração distribuída de energia solar, chamados GD. Pelas regras atuais, esses geradores têm como benefício a isenção do pagamento de encargos e do uso da rede de distribuição e transmissão.
Na prática, a cada kWh (kilowatt/hora) que o GD produz, ele tem compensados impostos e tarifas e pode consumir em energia a mesma quantidade que gerou, tendo que pagar, portanto, apenas pelo que gastar a mais. Com a revisão, a Aneel deixaria de compensar os geradores em todos os encargos que fazem parte da conta, cobrando deles também o uso do sistema de distribuição. “Da energia injetada na rede, se perderia em torno de 62% do valor”, comenta Gabriel Guimarães, autor do abaixo-assinado e atuante no segmento de energia solar.
Gabriel alega que a mudança é brusca e pode inviabilizar empreendimentos de energia solar fotovoltaica (gerada a partir de painéis solares), além de desvalorizar os benefícios ambientais de uma energia limpa e sustentável. Ele destaca, ainda, que hoje é rateado a todos os consumidores o pagamento pela perda de energia que ocorre ao longo sistema de distribuição, que equivale a 17% de toda a energia gerada. Já quando a geração ocorre no mesmo ponto do consumo, como no caso dos geradores domésticos de energia solar, essa perda é reduzida.
“A energia solar permite deixar de ratear entre todos os consumidores 17% de perdas”, comenta o engenheiro químico de formação que mora em Belo Horizonte (MG). “Além disso, tem a questão que a medida que você gera a própria energia, tira da ponta a energia que vem das termoelétricas, que só são acionadas quando a geração do país está abaixo do necessário para atender a carga, ajudando a economizar a conta de todos os brasileiros”, acrescenta.
Lobby das distribuidoras de energia
Se por um lado as empresas de geração de energia conseguiram arrancar do presidente Jair Bolsonaro a declaração de não “taxação do sol”, apresentando à sociedade os ganhos da energia solar, de outro as distribuidoras alegam a necessidade de revisão do subsídio, apontando que até 2035 o benefício trará um impacto de 56 bilhões de reais na conta de luz.
O dado é fruto de um relatório produzido pelo Ministério da Economia e tem sido utilizado como argumento pelas distribuidoras de energia elétrica para afirmar que o consumidor comum brasileiro acaba arcando com o impacto do subsídio, que favoreceria especialmente grandes empresas e companhias que têm condições para comprar caros painéis e gerar energia solar.
A revisão da resolução por parte da Aneel, que tem autonomia nas decisões, ainda deve levar mais alguns meses. Neste ínterim, parlamentares já se articulam para, após o recesso legislativo, apresentar um projeto de lei que cria um marco legal para o setor. A proposta deve ser elaborada mantendo as regras atuais para quem já tem o sistema instalado, e prevendo um corte gradual do subsídio para os demais.
Gabriel Guimarães, que segue com a petição aberta na plataforma Change.org, comenta que não esperava receber tantas assinaturas, mas que o volume de apoio demonstra que a necessidade de mais acesso ao uso da energia solar é de interesse da sociedade brasileira.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Bolsonaro quer subsidiar energia elétrica para igrejas
Por CartaCapital
Energia eólica transforma o interior da Bahia com obras de infraestrutura
Por CartaCapital