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Suprema Corte americana examina caso que pode mudar lei sobre internet nos EUA

O caso analisado decorre do assassinato da jovem Nohemi Gonzalez, de 23 anos, uma estudante americana morta em Paris; família diz que Youtube ajudou a recrutar terrorista para o Estado Islâmico

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Foto: FABRICE COFFRINI / AFP Logo do Google exibido em prédio do Fórum Econômico Mundial. Foto: FABRICE COFFRINI / AFP
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A Suprema Corte americana examina, nesta terça-feira (21), os argumentos dos advogados no caso Gonzalez contra Google. A ação pode mudar os fundamentos da lei que rege a internet nos Estados Unidos, fazendo com que as empresas de tecnologia sejam legalmente responsáveis por conteúdo prejudicial que seus algoritmos promovem.

O caso decorre do assassinato da jovem Nohemi Gonzalez, de 23 anos, uma estudante americana morta em Paris durante os ataques terroristas de 13 de novembro de 2015. A família de Gonzalez afirma que o Youtube – que pertence ao Google –, por meio de seu algoritmo de recomendação, agiu como uma plataforma de recrutamento para o grupo Estado Islâmico, violando as leis dos EUA contra a cumplicidade com organizações terroristas. Por esse motivo, os advogados de acusação entendem que a Google deve ser considerada responsável.

Mas, de acordo com a Google, é impossível fazer a ligação entre um fenômeno de radicalização, mesmo que confirmado, e a morte de Nohemie Gonzalez. A empresa se remete a uma lei, conhecida como Seção 230, que precisa que nenhum fornecedor ou usuário de um serviço automático não deve ser considerado como editor e, portando, não é responsável por este serviço.

Dessa maneira, a regra protege as empresas de tecnologia da responsabilidade legal pelos vídeos de terceiros que seus algoritmos de recomendação apresentam. A Google alega que essa imunidade seria essencial para a capacidade das empresas de tecnologia de fornecer conteúdo útil e seguro a seus usuários.

Mas os advogados da família Gonzalez afirmam que a aplicação da Seção 230 às recomendações algorítmicas incentiva a promoção de conteúdo prejudicial e nega às vítimas uma maneira de buscar reparação, mesmo que mostrem que essas recomendações causem danos ou morte.

Regra obsoleta

Para os advogados da família da jovem e para muitos críticos da Seção 230, a regra atualmente se tornou totalmente obsoleta. O problema é que, para Sébastien Natroll, jornalista especializado em direito americano entrevistado pela RFI, “a internet inteira depende dessa regra”.

Em 1996, quando esta foi criada, era difícil – ou quase impossível – para os legisladores imaginar o que seria a internet em 2023, uma vez que a principal função da internet continua sendo a de facilitar a comunicação. “Se amanhã a Seção for abolida, seria extremamente complicado, não somente para as redes sociais, fornecer serviços online”, explica o especialista.

A título de exemplo, atualmente, uma companhia de telefone não pode ser responsabilizada pelas conversas de seus clientes, por outro lado, um veículo de comunicação é responsável pelo conteúdo que divulga. “A internet se encontra em uma parte nebulosa, não definida, entre as duas”, continua Natroll.

As redes sociais se aproveitam deste limbo, que beneficia as redes sociais. “A Google vai dizer que fornece um meio neutro de expressão e, por isso, não pode ser responsabilizada pelo que as pessoas dizem online. Mas, por outro lado, existem casos na Flórida e no Texas em que leis foram votadas para impedir as redes sociais de banir indivíduos devido a suas convicções políticas”, afirma o jornalista.

Ele lembra que os jornais conhecem perfeitamente o conteúdo publicado, o que é impossível para as redes sociais.

Mas, apesar desta dificuldade de controle, em sua opinião, a Suprema Corte pode aceitar o pedido dos advogados da família Gonzalez. “Não é infundado pensar que as redes sociais podem ser responsáveis pelos algoritmos de recomendação, porque as redes se beneficiam muito deles”, continua.

“Eles [a Justiça] sabem muito bem que os conteúdos online têm grande circulação e que geram receitas publicitárias para as plataformas. E o algoritmo, por mais que seja neutro, vai recomendar conteúdos terroristas, de extrema direita etc. O problema para a Justiça é dar um parecer que seja particularmente comedido para evitar consequências muito grandes para as empresas como a Google”, argumenta, lembrando que os algoritmos atualmente estão em todos os lugares da internet. “Você escuta uma música em um serviço de streaming musical, este te propõe artistas do mesmo gênero musical. A mesma coisa acontece nas plataformas de vídeo”, ele acrescenta.

Mas ainda que o parecer da Justiça americana seja comedido, as consequências devem ser consideráveis, de acordo com Natroll. Com o fim dos algoritmos, é difícil imaginar como sobreviveriam plataformas como Youtube, Facebook ou o site de busca Google.

Um algoritmo capaz de reconhecer conteúdos terroristas

Para Natroll, ainda que seja imaginável, tecnicamente é um pouco complicado pensar em um algoritmo capaz de reconhecer conteúdos terroristas. “O algoritmo teria que fazer a diferença entre um vídeo que explica, por exemplo, como funciona o terrorismo, ou como funciona o recrutamento de novos jihadistas, e um vídeo que fizesse a promoção dessas teorias, correndo o risco de ferir a liberdade de expressão”, explica.

Como lembra Guillaume Nodin, correspondente da RFI em Washington, a Suprema Corte deve decidir sobre um debate jurídico que se tornou político e polariza republicanos e democratas.

Dos dois lados políticos, muito se fala da Seção 230. De um lado, os democratas acusam as redes sociais de não lutar suficientemente contra o ódio online, do outro, o partido Republicano argumenta que as redes sociais têm tendência a censurar tudo que privilegia os conservadores.

Enquanto os políticos não estão em condições de decidir sobre o futuro da internet, a questão está agora nas mãos dos juízes.

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