Tecnologia

Projeto de internet gratuita do Facebook é criticado na América Latina

Especialistas em direitos digitais da Colombia, Guatemala e Panamá criticam o serviçoque acostuma novos usuários a uma internet que tem o Facebook no seu centro

Iniciativa de Zuckeberg já está em operação em regiões periféricas na Ásia e na América Latina e deve em breve ser implementada no Brasil
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O Internet.org é um controverso projeto do Facebook que oferece acesso gratuito à internet por celular, restrito apenas a alguns serviços, sendo o próprio Facebook o principal deles. A iniciativa que já está em operação em regiões periféricas na Ásia e na América Latina deve em breve ser implementada no Brasil.

Especialistas de países latino-americanos onde o projeto já funciona condenam a iniciativa que faz com que não usuários conheçam uma internet restrita apenas ao Facebook e seus parceiros comerciais e que está predominantemente orientado a recolher dados privados de cidadãos pobres.

Desde janeiro deste ano, o Internet.org já funciona na Colômbia; e desde abril na Guatemala; no Panamá, o governo já fechou acordo para que o serviço esteja disponível dentro de algumas semanas. Também em abril, o governo brasileiro anunciou que estaria em negociações com o Facebook para a implementação do Internet.org em regiões de baixa renda e alta densidade demográfica.

Enquanto o Facebook defende seu projeto como uma alternativa filantrópica de conexão para os 2/3 da população mundial que ainda não tem acesso a internet, o Internet.org tem sido alvo de questionamentos e polêmicas em diversos países por concentrar o tráfego da rede apenas nos sites que fazem parte do seu pacote de serviços gratuitos.

A principal crítica ao projeto do Facebook é que ele violaria a chamada neutralidade de rede, princípio segundo o qual o tráfico dos dados de todos serviços da internet devem ter o mesmo tratamento, sem distinção por conteúdo, origem, destino ou tipo de serviço. Ao permitir o acesso gratuito somente aos parceiros comerciais do projeto, o Facebook favorece esse conjunto de serviços que tem a sua própria rede social no centro.  

A advogada panamenha Lia Patricia Hernández, diretora do Instituto Panameño de Derecho y Nuevas Tecnologías (IPANDETEC), afirma que o Internet.org “afeta os príncipios da lei de regulamentação das telecomunicações do Panamá”, e que, embora o Panamá não tenha uma lei equiparável ao Marco Civil brasileiro, que regulamenta a neutralidade da rede, o IPANDETEC lançou uma petição pública  pedindo ao governo panamenho que defendesse o princípio da neutralidade, e investisse em melhorias no seu próprio projeto de conectividade universal [o InternetParaTodos], em vez de priorizar a atuação do Internet.org. 

Mark Zuckerberg, no entanto, defendeu publicamente que os “serviços básicos de internet” por ele oferecidos seriam uma porta de entrada no resto da rede, para aqueles que ainda não fazem uso dela – porque na maioria das vezes não podem pagar por isso – e que os princípios da neutralidade e da conectividade universal “podem e devem coexistir”. 

A colombiana Carolina Botero, diretora da Fundación Karisma de direitos e tecnologia, contesta o argumento de Zuckerberg com uma analogia: “se uma comunidade que sofre com a falta de água passa a ser abastecida semanalmente por uma empresa específica que controla o abastecimento de água na região, podemos dizer que o problema do acesso e do direito a água na comunidade foi resolvido?”, pergunta.

“Pode-se até ponderar que algum acesso a internet é melhor do que nenhum”, continua ela, “mas o problema da conectividade universal permanece, porque o acesso a internet em sua totalidade tem a ver com a garantia de direitos”.

Já para a advogada guatemalteca Renata Avila, especializada em direitos digitais, e diretora do programa webwewant.org, o Internet.org “se parece mais com uma estratégia de marketing para favorecer atores comerciais específicos, do que com a garantia de acesso a todas as possibilidades que a internet oferece”.

Avila esclarece que, em seu país, o Internet.org dá acesso ao aplicativo de línguas Duolingo, a Wikipedia, ao buscador Bing, a um portal de vagas de empregos e a diversas plataformas com dicas sobre maternidade, saúde e direitos da mulher. Ela observa que a partir dos serviços oferecidos, pode-se até delinear perfis de público-alvo do Internet.org na Guatemala, já que são “extremamente focados no público feminino”.

Lia Hernádez, do IPANDETEC, lembra que os limites da conectividade universal do Facebook podem ser medidos em megabytes, já que “o serviço bloqueia qualquer site que compartilhe conteúdo de áudio e vídeo acima de 1MB”. Carolina Botero relata também que, na Colômbia, houve casos de suspensão do serviço depois de dois meses de uso, sem aviso por parte do Internet.org ou da operadora responsável pelo projeto no país, a TIGO. (O Observatório pediu ao Internet.org mais informações sobre os serviços disponibilizados e o seu funcionamento, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.)

Transparência

Se isso demonstra que os termos e regras de uso do Internet.org nem sempre são coerentes com os princípios de universalidade que em tese regem o funcionamento do projeto, Lia Hernández atenta também para a falta de transparência nas negociações entre o governo do Panamá e o Facebook para a implementação do projeto no país.

“Nós exigimos a inclusão das organizações interessadas no tema e da sociedade civil no processo, mas não tivemos resposta”, relata. “Existe tão pouca informação sobre o acordo entre o governo, a operadora Digicel e o Facebook, que nem conseguimos saber se haverá investimento público no projeto” – ela tampouco conhece a data em que o serviço entrará em funcionamento no Panamá.

Para Renata Avila, a estratégia de levar internet gratuita a regiões pobres é “uma mistura de marketing filantrópico com a busca por um possível novo grupo de consumidores, cujos dados se poderá mapear”. Assim, quanto mais usuários estiverem conectados através do serviço, “mais ele tem a oferecer para quem estiver interessado em comprar estes dados”, diz.

“Lembremos que empresas como o Facebook e o Google recolhem e vendem os dados de seus usuários, sabemos que é dessa maneira que eles se sustentam”.

* O Observatório da Privacidade e Vigilância é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPoPAI-USP) que monitora ações do Estado e de empresas que tenham impacto sobre a privacidade dos cidadãos.

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