Tecnologia

O Facebook pode engolir a web?

O Facebook comemora sua primeira década. Seu sucesso é notável – mas o que dizer sobre as mudanças na sociedade?

Jovem com a camisa do Facebook em Mumbai, na Índia, em 2012. O número de usuários do site é equivalente ao da população indiana
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Por John Naughton

Na terça-feira 4 o Facebook completou dez anos, com 1,23 bilhão de usuários. Avalie esses dois fatos por um instante. Uma companhia que não existia dez anos atrás hoje tem o mesmo número de usuários que os habitantes da Índia.

Se você quisesse um estudo de caso de como a internet propicia a “inovação perturbadora”, o Facebook é um dos quatro melhores exemplos. (Os outros três são a web, Wikipedia e Skype) Assim como a web, o Facebook é essencialmente a criação de um único indivíduo visionário e bem-dotado, um tal de Mark Zuckerberg. E ele só conseguiu lançá-lo porque a internet facilita o que um estudioso chama de “inovação sem permissão”.

O Facebook não foi o primeiro serviço de rede social. A coisa mais intrigante sobre ele é que surgiu como o ator predominante em um mercado muito estabelecido e saturado. A ideia da rede social mediada por computador é antiga, remonta à contracultura da Califórnia nos anos 1970, e a história desse campo é cheia de carcaças de empreendimentos que floresceram de modo espetacular antes de despencar no esquecimento (SixDegrees, MySpace) ou encontrar um nicho no ecossistema (LinkedIn).

Quando o Facebook surgiu, a comparação mais óbvia era com o MySpace, mas mesmo então estava claro que eles não eram concorrentes diretos. O MySpace era bagunçado, vulgar e ligeiramente estranho – em parte porque permitia que os usuários decorassem suas páginas acrescentando código HTML personalizado. Em comparação, o Facebook parecia esnobe, severo e aborrecido. E era exclusivo – você tinha de ser um aluno de uma universidade americana de elite para participar. Parecia que a estratificação social do mundo real também se aplicava ao ciberespaço. Uma charge na revista New Yorker da época mostrou a filha de um banqueiro de Wall Street apresentando seu namorado mal vestido para seus pais. “Você não acha que ele é um pouco ‘MySpacey’ demais para você, querida?”, diz a mãe.

O Facebook venceu por diversas razões. Uma delas foi a virtuosidade técnica do fundador e sua equipe inicial: diferentemente de muitos outros empreendimentos comparáveis que sofreram um crescimento explosivo, o Facebook o enfrentou de maneira brilhante. Mas seu marketing também foi muito astuto: o crescimento inicial foi alimentado pelo fato de que a principal preocupação dos estudantes de Harvard é conseguir uma transa; e ele usou sua exclusividade inicial como isca, gradualmente acrescentando universidades menos elitistas até acabar se abrindo para o mundo.

Depois disso, a lei de Metcalfe entrou em ação. Na linguagem cotidiana, isso significa que quanto mais usuários há em uma rede social mais atraente ela se torna para as pessoas que pensam em entrar. O que isso significa na prática (reguladores, tomem nota) é uma potencial situação de o vencedor leva tudo. É onde o Facebook está hoje.

Desde que começou seu crescimento exponencial, o Facebook foi objeto de febril especulação, tanto no sentido financeiro como no midiático do termo. Na fase pré-IPO (oferta pública inicial na Bolsa), tratava-se principalmente de valorização. Desde a IPO, o ar quente foi gerado por temas como se ele conseguiria dominar o mercado de celulares como havia feito com o mundo dos computadores, se seu crescimento espetacular continuaria e qual a natureza de seu modelo comercial.

Acima de tudo, o frenesi da mídia foi sobre aquelas criaturas míticas conhecidas como “adolescentes”. Como havia a percepção de que o crescimento do Facebook tinha sido impelido pelos jovens – que são sabidamente instáveis e fugazes em suas afiliações –, o preço da ação da empresa passou a ser correlacionado a rumores de que os adolescentes estavam ou não se cansando do Facebook. A última versão disto é que os adolescentes serão repelidos pelo fato de que seus pais e até seus avós estão se amontoando no Facebook.

Um exemplo divertido das profundezas em que essas especulações mergulharam veio de um jornal técnico da Universidade Princeton, em que pesquisadores usaram uma abordagem epidemiológica para modelar as afiliações a redes sociais. Eles conjeturaram que aderir a uma rede era semelhante a uma infecção por uma doença contagiosa, enquanto o abandono se assemelhava à recuperação. Concluíram que o Facebook tinha entrado na fase de abandono e que sua base de usuários em breve declinaria rapidamente.

Isto foi rejeitado por três pesquisadores do Facebook, que primeiro peneiraram a metodologia usada pelos acadêmicos antes de aplicá-la aos dados online sobre Princeton. “Ao manter o princípio científico de ‘correlação equivale a causa'”, eles concluíram, “nossa pesquisa demonstrou de maneira inequívoca que Princeton pode correr o risco de desaparecer totalmente.”

Na verdade, a pergunta mais significativa não é se os adolescentes vão abandonar o Facebook, mas se sua adoção por um enorme número de adultos resultará na realização da visão de Zuckerberg de possuir “o gráfico social do mundo” – a rede de conexões sociais online da humanidade. Se o fizer, a mudança de nossa sociedade para um território totalmente não mapeado estará completa.

O motivo disso é que, de maneira estranha, o modelo comercial do Facebook é semelhante ao da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Ambos precisam usar vigilância da atividade íntima e pública online para fazer deduções sobre o comportamento. A NSA afirma que isto lhe permite identificar e conter o terrorismo e outras coisas ruins. O Facebook alega implicitamente – mas raramente o articula de modo explícito – que a monitoração intensiva do que seus usuários fazem lhe permite ao mesmo tempo oferecer serviços sob medida para suas necessidades e informação precisa para seus anunciantes.

A diferença é que enquanto é impossível saber se a vigilância da NSA é uma maneira custo-eficiente de alcançar sua missão, não há dúvida de que o monitoramento de usuários do Facebook está recompensado – como evidenciam seus resultados trimestrais divulgados na semana passada. A empresa teve receitas de 2,59 bilhões de dólares no trimestre que terminou em 31 de dezembro – 63% a mais que no mesmo período do ano passado; e para 2013 em geral suas receitas foram de 7,87 bilhões de dólares, aumento de 55% em relação ao ano anterior. Seu lucro no ano passado foi de 1,5 bilhão de dólares.

Tudo isso é muito bom para um esquema criado por um estudante de Harvard em seu quarto no dormitório dez anos atrás. Mas e os próximos dez? Assim como a maioria dos empreendimentos na internet, é impossível dizer. Por um lado, a inovação sem permissão poderia produzir mais uma surpresa para o mundo. Afinal, software é material de ideias e não faltam gênios na profissão. É por isso que muitos magnatas online têm gravado em suas psiques o lema de Andy Groove – “Só os paranoicos sobrevivem”. O futuro do Facebook será determinado pelo resultado de uma luta entre a lei de Metcalfe e a capacidade da internet de apresentar surpresas perturbadoras.

Alguns anos atrás, quando eu estava pesquisando para meu livro, descobri com incredulidade que alguns políticos mais velhos achavam que a World Wide Web era a mesma coisa que a internet. Um dia mencionei isto para Tim Berners-Lee, o inventor da web, durante o café em um simpósio. “É ainda pior que isso”, ele retrucou. “Há centenas de milhões de pessoas no mundo hoje que pensam que o Facebook é a internet.”

E é por isso que devemos nos preocupar com a realização de Zuckerberg.

*John Naughton é o autor de “From Gutenberg to Zuckerberg: What You Really Need to Know About the Internet” [De Gutenberg a Zuckerberg: o que você realmente precisa saber sobre a internet]

Dez marcos do Facebook

Fevereiro de 2004 – Mark Zuckerberg cria o Facebook com seus colegas de quarto na faculdade, Eduardo Saverin, Andrew McCollum, Dustin Moskovitz e Chris Hughes. A afiliação ao site da web se limita a estudantes de Harvard.

2004 – Mais tarde nesse ano, os irmãos Cameron e Tyler Winklevoss afirmam ter criado o Facebook. Depois de quatro anos de batalhas legais eles chegam a um acordo de 65 milhões de dólares.

Maio de 2005 – Os capitalistas de risco Accel Partners investem 12,7 milhões de dólares no site e o sócio da Accel Jim Breyer acrescenta 1 milhão de seu próprio dinheiro.

Setembro de 2005 – Estudantes colegiais têm autorização para entrar na rede. Um ano depois o site é aberto a todos.

Setembro de 2010 — “A Rede Social”, o filme de David Fincher sobre a criação do Facebook, é lançado com aplausos da crítica.

Abril de 2012 – O Facebook anuncia que vai comprar o Instagram — aplicativo de compartilhamento de fotos para smartphones — por 1 bilhão. Zuckerberg promete continuar desenvolvendo o Instagram como uma marca separada.

Maio de 2012 – Zuckerberg vê 4 bilhões de dólares desaparecerem de sua fortuna depois da oferta pública inicial de sua companhia. Em menos de duas semanas as ações do Facebook perdem quase um quarto de seu valor, e seu fundador sai da lista dos 40 maiores bilionários do mundo.

Dezembro de 2012 – O Facebook faz mudanças abrangentes em seus controles de privacidade depois de críticas.

Dezembro de 2013 – O antropólogo Daniel Miller diz que o Facebook está “morto e enterrado” para os jovens britânicos de 16 a 18 anos, porque eles ficam “envergonhados de ser associados ao site” e preferem Twitter, Instagram ou Snapchat.

Janeiro de 2014 – O Facebook revela receitas de 2,59 bilhões de dólares no trimestre que termina em dezembro — um aumento de 63% em relação ao mesmo período do ano anterior.

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