Tecnologia

Ira mobiliza mais que sentimentos positivos em comentários na internet

Pesquisador observa portais espanhóis para estudar o papel dos veículos na disseminação do discurso de ódio e da intolerância

Por a intolerância estar tão presente nas redes, se pode produzir a radicalização dos que são intolerantes e silenciar tolerantes
Apoie Siga-nos no

A área de comentários em notícias de portais costuma ser terreno hostil, povoado por boatos, preconceitos e intolerância. Tal realidade não é exclusividade brasileira. Na Espanha, pesquisadores e ativistas desenvolveram um projeto buscando entender a intolerância no ambiente virtual e, ao mesmo tempo, incidir para reduzir sua importância.

Ao longo de oito meses, o Observatório Proxi acompanhou os comentários em notícias sobre imigrantes e ciganos nos três portais de maior audiência no país. O resultado: 60% das intervenções são intolerantes contendo, por exemplo, discurso de ódio, estereótipos ou rumores. O dado mais alarmante foi em relação à população imigrante: um de cada dez comentários era de ódio.

CartaCapital: Quais situações percebidas pelo Observatório Proxi mais surpreendem?

Alex Cabo: Nos admiramos com a presença de um tipo de comentário intolerante específico, que é o de ódio. Pensávamos que os sistemas de moderação dos jornais fariam um trabalho maior de filtragem. No entanto, os veículos nem sequer são capazes de filtrar essa intolerância de maior gravidade – que inclui os insultos, a incitação à violência ou argumento de superioridade racial.

CC: O Brasil vive nos últimos anos uma crescente e rápida disseminação da intolerância na internet. É possível identificar o mesmo fenômeno na Espanha?

AC: Tenho a sensação de que, nos últimos cinco anos, está estável. Há momentos de proliferação da intolerância, sobretudo quando há uma série de notícias que se repetem sobre um tema concreto. Por exemplo, agora, a chegada dos refugiados. Isto sim causa um crescimento, mas não me atreveria a dizer que isso se mantenha. Provavelmente, quando essas notícias passam ao segundo plano, a maneira das pessoas de se expressar é menos radical.

CC: Além do tema das populações imigrante e cigana, quais outros despertariam tanta intolerância?

AC: Há bastante incidência de homofobia e antissemitismo também. Outra questão que já não é própria da internet é a intolerância contra a população sem-teto. Ela não aparece no meio virtual, porém se manifesta com consequências graves na rua. Este é o grupo que mais sofre delitos de ódio.

CC: No Brasil, por exemplo, há pesquisas que mostram que a violência e a intolerância são aceitas por parte da sociedade. As manifestações de ódio e intolerância são mais forte na internet?

AC: No caso da Espanha, a resposta é sim. Nos baseamos em pesquisas de opinião sobre a imigração e o panorama é que a sociedade se divide, aproximadamente, em três terços: uma parte é tolerante, outra é ambivalente – é tolerante à migração, mas mostra preocupação com alguns temas – e a terceira parte é contrária.

No entanto, nossos estudos mostram que cerca de 60% dos comentários são intolerantes. Ou seja, está muito sobrerrepresentado e, ao mesmo tempo, a tolerância está subrepresentada. Há uma pesquisa de um think tank inglês, chamado Demos, que também conclui que a intolerância está mais presente na internet do que na vida real. 

CC: Por que isto ocorre?

AC: Nós entendemos que há uma falsa sensação de privacidade. Quando alguém está comentando, sente como se estivesse dentro um pequeno fórum ou na sala de sua casa. Por outro lado, o anonimato favorece isso. Depois desse estudo, tenho a sensação de que a ira e o enfado são emoções que mobilizam muito mais do que sentimentos positivos.

CC: Ainda que o anonimato seja importante, também existem declarações públicas que incitam a intolerância. Faltam normas que façam com que a Justiça ou outros órgãos públicos atuem?

AC: Na Espanha a legislação é suficiente, há que se utilizar o que temos. No entanto, não creio que os 60% de comentários intolerantes que detectamos devam ser alvo de uma atuação jurídica. A intervenção do direito penal deve ser a mais restringida possível, mas deve aparecer em algumas questões mais graves, para que se saiba que não se pode dizer qualquer coisa.

CC: Como cercear o discurso de ódio sem afetar a liberdade de expressão?

AC: Comentários como os de preconceitos ou estereótipos, sempre que expressos de uma maneira educada, devem ser debatidos, e aí está a parte da participação cidadã, que deve responder a eles. É preciso limitar a incitação ao ódio e à violência e o apelo à superioridade de raça. Nestes casos, os comentários deveriam sim ser apagados pelos moderadores. Mas não creio que em todos os casos o código penal tenha que intervir; o poder público deve atuar nas intervenções de ódio que têm mais chance de terem consequências reais.

CC: A internet funciona como um amplificador de opiniões que antes eram marginais?

AC: Por a intolerância estar tão presente nas redes, se pode produzir a radicalização dos que são intolerantes e, por outro lado, influir em setores ambivalentes. Já sobre os tolerantes, o fenômeno produz uma espiral de silêncio, porque quando entram nos fóruns e veem que está cheio de intolerância, desistem de intervir.

CC: Analisando a situação atual da internet e os últimos vinte anos, há razões para que sejamos otimistas ou pessimistas com o tema da intolerância?

AC: A parte mais importante está nas mãos dos meios de comunicação e das grandes empresas provedoras de serviço, como Facebook e Twitter. Os veículos da mídia têm uma capacidade de filtrar os comentários e fazer isto não constituiria um ataque à liberdade de expressão.

Por exemplo, eu sou a favor da liberdade de expressão, mas nem por isso vou emprestar a minha varanda para que você ponha um cartaz antissemita. Isto você põe na sua, e não na minha. Os meios de comunicação estão fazendo isso, estão emprestando suas varandas para que ponham cartazes racistas, antissemitas, etc. Os veículos estão aportando um extra a esses comentários porque essas manifestações estão em suas plataformas e utilizando sua imagem de marca.

CC: Qual o principal aprendizado do Observatório?

AC: Pessoalmente, uma das conclusões principais é a de que as mensagens de tipo normativo não funcionam bem para contra-argumentar. É muito melhor apelar à empatia ou criar um clima geral de opinião mais tolerante, do que ficar martelando dizendo que não se pode ser racista.

Temos que estimular a intervenção daqueles que são mais tolerantes, para que participem dos fóruns. Se não, os intolerantes se apoderam dos fóruns e isso tem consequências, como esse efeito de alto-falante que os faz parecerem maiores do que são. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo