Sustentabilidade

Saída de Salles é vista como crucial para sobrevivência de agenda climática

Com pedido de impeachment protocolado no Dia Mundial do Meio Ambiente, ambientalistas denunciam negacionismo insustentável na pasta

(Foto: Gilberto Soares/MMA)
Apoie Siga-nos no

A Frente Parlamentar Ambientalista protocolou, nesta sexta-feira 05, mais um pedido de impeachment do ministro  Ricardo Salles com alegações de improbidade administrativa e crimes de responsabilidades na sua gestão no Ministério do Meio Ambiente, pasta que ocupa desde o início do governo Bolsonaro.

Se “passar a boiada” foi a frase mais marcante do ministro ao longo da reunião ministerial do dia 22 de abril, outras ações minando o desenvolvimento sustentável, preservação da biodiversidade, combate ao desmatamento e o funcionamento dos órgãos de fiscalização ambiental são motivos extras para pedir pela retirada do ministro – ponto considerado unânime entre pesquisadores, ambientalistas e parlamentares com pauta ambiental neste Dia Mundial do Meio Ambiente.

“Se tornou uma situação totalmente insustentável. Ele vem fazendo um desmonte de uma política ambiental que foi construída a duras penas desde 1981. Essas estruturas estão sendo colocadas abaixo. Se fosse apenas diminuir burocracia, com certeza ele teria o nosso apoio, mas ele está destruindo todos os colegiados, todos os órgãos que fazem o controle social da política ambiental.”, disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), um dos que assina o pedido.

O ministro se justifica de diversas maneiras, sendo a desburocratização sua maior bandeira política. Em entrevista à CNN Brasil, por exemplo, Salles disse que “passar a boiada” significava “tirar obstáculos para questões extremamente importantes”, defendeu. No entanto, os impactos da atual gestão na pasta já contabilizam obstáculos suficiente para a agenda climática.

Na justificativa do impeachment, por exemplo, os parlamentares citam o despacho que reduzia a proteção sobre a Mata Atlântica – que acabou sendo revogado pelo ministro -, a reestruturação massiva do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), extinguindo 42 postos de chefia de unidades de conservação do órgão, a transferência do Conselho Nacional da Amazônia Legal para a vice-presidência da República – e a póstuma submissão de servidores do Ibama e ICMBio a militares nas ações de fiscalização -, e a mudança de chefia na gestão de florestas públicas, que passou para a pasta dona da boiada – o Ministério da Agricultura.

Em 2019, o ministro encabeçava a pasta diante da crise de repercussão global das queimadas na Amazônia, que, entre outros motivos, teve influência de grileiros que queimavam a floresta a esmo a fim de comemorar o novo passe livre advindo do governo federal. Quem acreditava que os hectares de floresta destruída a partir do fogo ensinariam algo para o futuro estava enganado.

Dados do sistema DETER, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados nesta sexta, mostram que os alertas de desmatamento na Amazônia estão crescendo em ritmo alarmante. Até o dia 28 de maio, foi registrado um aumento de 34% nos alertas de corte raso em relação aos registrados no mês de abril. Para Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia da organização Greenpeace, um governo que diz se preocupar com o “desenvolvimento sustentável” deveria impedir qualquer boiada de avançar.

“Ao contrário do que o ministro Ricardo Salles declarou durante a reunião ministerial com presidente, não só a imprensa mas o mundo está de olho no que ocorre na Amazônia, e políticos de diferentes países como Holanda e USA, já se manifestaram contrários a qualquer tipo de acordo comercial com o Brasil, devido a completa falta de controle do desmatamento na Amazônia desde o ano passado.”, opina.

Como se não bastasse, a partir de agosto de 2019, diversas praias do litoral nordestino se encheram de óleo devido a um vazamento até hoje não identificado e contaram com a demora do Ministério para verem alguma ação no horizonte. Sem poder ficar de mãos atadas frente àquela que foi considerada a maior tragédia ambiental brasileira, diversos voluntários se expuseram ao risco no desespero de salvarem suas praias, fonte de renda e vida.

Quem viveu este momento também acredita que a saída do ministro é necessário, mas não apenas. “O ministro é apenas uma peça nesse tabuleiro, porque o entendimento da política anti-ambientalista e negacionista advém de Bolsonaro – e ele procura pessoas que tenham o mínimo de entendimento com o seu discurso. O que a gente precisa atacar é essa tentativa de afrouxamento da legislação para emplacar uma política anti-ambiental”, opina Sidney Leite, coordenador do projeto Salve Maracaípe, que atuou com trabalho voluntário nas praias de Pernambuco.

A crise política suscitada pelo vídeo da reunião ministerial demonstrou que os ministros do governo foram incapazes de debater sobre políticas visando a população atingida pela pandemia, e expôs, também, o enfraquecimento de uma série prerrogativas do debate público – como o respeito básico aos Três Poderes. Com a pandemia, a valorização da ciência voltou à tona entre setores sérios e não negacionistas da política brasileira – e é por isso que, para Carlos Nobre, climatologista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), tirar Ricardo Salles é apenas um ponto de um projeto de voltar a celebrar a democracia no País novamente.

“Do lado positivo, observa-se que há um movimento pró-democracia crescente e muito recente, um movimento também que aceita as recomendações da ciência. A crise da COVID-19 vem enfraquecendo o movimento anti-ciência. É interessante constatar que vivemos o momento de estes setores que promovem a expansão irreversível sobre a floresta Amazônica se sentem empoderados politicamente para saírem das tocas e expressar abertamente suas visões e seus interesses. O ponto crucial é enraizar de fato a democracia no país. Há falhas sistêmicas gritantes com respeito à democracia representativa.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo