Sustentabilidade

Na COP 25, Salles pede dinheiro e recusa homenagem a indígenas mortos

Foi a primeira participação pública do Ministro do Meio Ambiente desde o começo da Conferência do Clima

Ministro Ricardo Salles - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Apesar de o ministro do Meio Ambiente do Brasil já estar em Madri desde a semana passada para a Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP 25), a primeira participação pública de Ricardo Salles no evento foi nesta segunda-feira 9, como um dos convidados de uma conferência promovida por organizações não-governamentais (ONGs), no espaço reservado às entidades.

Em seu discurso, o ministro voltou insistir sobre um dos principais objetivos da delegação brasileira na COP 25: fazer os países ricos financiarem os gastos de medidas para os mais pobres diminuírem as emissões de gases de efeito estufa. Por duas ocasiões, ele citou as negociações em curso a respeito do Artigo 6 do Acordo de Paris sobre o Clima, que regulamenta as transações do mercado de carbono.

Neste tema, o Brasil está em linha de choque com os demais países signatários do tratado, ao defender que aqueles que vendem créditos de CO2, como Brasil, possam descontar essas emissões da suas metas de redução de gases poluentes.

“Temos de conseguir encontrar uma fórmula através da qual os maiores emissores de gases de efeito estufa da história recente da humanidade se responsabilizem efetivamente por aquilo que produziram, as florestas que suprimiram, quase na sua totalidade, as ações que tomaram e continuam tomando, porque os combustíveis fósseis continuam sendo a maior parte das emissões”, explicou Salles. “É importante essa ação conjunta porque é dali que virão os recursos para a manutenção da floresta em pé.”

Nas negociações diplomáticas, entretanto, o país perdeu margem de manobra ao participar da conferência com o passivo de ter registrado, em 2019, o maior desmatamento da Amazônia dos últimos 11 anos.

Outra tecla na qual o ministro martelou foi as possibilidades de “monetização dos recursos ambientais”, ou seja, promover bioeconomia em regiões florestais para combater o desmatamento e tornar as atividades ilegais menos “atrativas”. Lembrando que “a floresta vale mais em pé”, Salles ressaltou que “80% dos brasileiros na Amazônia vivem nas cidades” e “precisam de emprego, renda e recursos, que deverão vir da biodiversidade da Amazônia”.

“É a região mais rica do Brasil em termos de recursos naturais, mas com o pior Índice de Desenvolvimento Humano. Nós deixamos para trás as pessoas, e sem cuidar das pessoas, é difícil cuidar do meio ambiente”, declarou Salles.

Salles evita participar de homenagem

A conferência, que reuniu dezenas de espectadores brasileiros, aconteceu em uma área de passagem nos corredores da COP, no Brazil Climate Action Hub. O ambientalista Caetano Scannavino, coordenador do projeto Alegria e Saúde, que atua na Amazônia, abriu o evento com uma lembrança dos indígenas mortos por defender a floresta – no último fim de semana, mais dois guajajaras foram assassinados no Maranhão.

Scannavino então defendeu o diálogo entre as organizações e o governo para combater o problema e pediu para os presentes se darem as mãos, em homenagem aos caciques Firmino Prexede Guajajara e Raimundo Belnício Guajajara. Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra que Salles preferiu ficar com os braços para trás durante o minuto de silêncio. Na sequência, ele não acompanhou as colocações dos outros palestrantes e deixou a conferência logo após se pronunciar.

https://twitter.com/MidiaNINJA/status/1204071682085965831

Alcolumbre garante Acordo de Paris

Instantes depois, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), que também comanda o Congresso, frisou que o Parlamento brasileiro “não aceitará retrocessos na política ambiental”. “O Congresso Nacional votou o Acordo [de Paris]. O Parlamento brasileiro assumiu um compromisso com o mundo”, destacou Alcolumbre.

Duas ex-ministras do Meio Ambiente, Izabella Teixeira e Marina Silva, também tomaram o microfone para denunciar a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro. “É uma política contrária a tudo que foi feito aqui [nas COPs]”, comentou Marina.

“O dinheiro dos países desenvolvidos é bem-vindo, como foi bem-vindo o dinheiro do Fundo Amazônia. Mas esse governo, por querer desviar as finalidades do fundo para regularizar áreas griladas na Amazônia, inviabiliza o fundo”, lamentou a ex-senadora.

Izabella foi ainda mais dura: disse que o Brasil chega à COP sem apresentar transparência sobre as suas ações ambientais e, ao mesmo tempo, pedindo mais recursos financeiros. “Isso aqui não é um lugar de barganha. É um lugar de construção, convergências e de credibilidade”, afirmou a ex-ministra do governo Dilma.

“Tem gente que vem aqui e usa os exemplos do passado para dizer que o Brasil está fazendo a sua parte. A discussão aqui não é direita ou esquerda: é fazer parte do mundo ou estar fora do mundo – e o Brasil está”, sublinhou Izabella.

Segunda semana decisiva

A segunda semana da conferência do Clima se iniciou numa atmosfera de expectativas que, provavelmente, não serão atendidas. Não só porque ainda restam complexas negociações sobre a mesa e o tempo é curto, mas, principalmente, porque os países parecem jogar uma partida de pôquer cujas jogadas finais só devem ser reveladas na próxima rodada, na COP 26, na Escócia.

Em 2015, o Acordo de Paris sobre o Clima definiu que, no ano que vem, os 196 países signatários deverão revisar os seus compromissos para redução de emissões de gases de efeito estufa. Esta COP de Madri acontece com a esperança de que, desde já, os negociadores avancem com propostas mais ambiciosas – porém isso não é uma obrigação. Sob a sombra da retirada oficial dos Estados Unidos do acordo, espera-se que a União Europeia venha com anúncios animadores.

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