Uma mudança repentina em uma norma do Ibama que regulamentava a exportação de madeira brasileira foi o começo de um processo que culminou na Operação Akuanduba, da Polícia Federal, deflagrada nesta quarta-feira 19, que resultou no afastamento do presidente do órgão, Eduardo Bim, e na busca e apreensão em endereços ligados ao ministro Ricardo Salles.
A mudança, feita no início de 2020, chegou a ser alvo de uma ação civil pública levada à 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça Federal do Amazonas pelas organizações Greenpeace, Instituto Socioambiental (ISA) e Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), em junho daquele ano.
O pedido pela derrubada do despacho assinado por Eduardo Bim e colocado no lugar da norma, entretanto, foi rejeitado. O processo segue em curso e aguarda a sentença final.
O despacho assinado por Eduardo Bim e baseado em pareceres elaborados por servidores também investigados pela Polícia Federal, atende o pedido pela caducidade da Instrução Normativa 15/2011 do Ibama, que estabelece uma série de parâmetros para averiguação da exportação de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas.
Em sua argumentação, Bim afirma que a mera apresentação do Documento de Origem Florestal (DOF) para a comercialização dos produtos florestais poderia ser considerada suficiente, uma vez que o Ibama implementou, em 2014, o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que já daria, em tese, a informação sobre a legalidade da madeira.
Na justificativa, Bim escreve ainda que “a falta de um ato normativo expresso declarando esta situação passou recentemente a gerar enorme problema para o setor exportador paraense, colocando em risco a imagem do Brasil no
exterior e a própria subsistência das empresas, dos seus colaboradores e da cadeia produtiva associada”.
No entanto, as entidades ambientalistas alegaram na ação que, na prática, o despacho “liberou a exportação de madeira nativa sem fiscalização a pedido de madeireiras”. Ao fim do processo, a sequência de ações encadearia na impossibilidade de fiscalização caso fosse identificada alguma irregularidade nas informações de origem da madeira, já que a carga não estaria mais em solo brasileiro.
“Isso porque o DOF exportação trata do transporte de carga desde a origem até o porto, enquanto a IN nº 15/2011 estabelece as providências para a liberação da exportação”, explicam na ação.
“A empresa seguiria com os trâmites burocráticos relativos à exportação da madeira, com base nas informações que ela mesma apresenta ao órgão ambiental, e somente após o exaurimento da atividade de exportação é que o Ibama poderia agir com a finalidade de fiscalizar se a atividade de exportação ocorrera dentro da lei”, escrevem.
As informações disponibilizadas no Sinaflor, assim como o DOF, são de autoria das empresas madeireiras. Procedimentos como a apresentação da autorização para a exploração de espécies em extinção ou a checagem por amostragem, feitas pelo Ibama depois da normativa que Bim derrubou, estiveram dispensadas até esta quarta-feira, quando Alexandre de Moraes também derrubou o despacho do presidente do órgão.
Além disso, “99% dos alertas de desmatamento no país, segundo dados recentes do MAPBIOMAS, correspondem a áreas nas quais inexiste autorização de supressão de vegetação cadastrada no SINAFLOR, ou seja, quase a totalidade do desmatamento no país é ilegal”, levantaram as organização ambientalistas.
Foi pela falta da autorização para a exportação que as autoridades americanas do porto de Savannah, na Georgia, acionaram o Ibama para confirmar se havia legalidade na carga. Sem a documentação necessária, após a resposta do Ibama, a carga ficou bloqueada no porto e a empresa Tradelink foi acionada.
A partir de então, os empresários no Brasil recorreram diretamente às entidades madeireiras que, junto a Bim e a Ricardo Salles, mudaram as normas previstas até então, descreve a polícia federal, o que marcou o início da investigação.
Para além das consequências preocupantes na assertividade da legalidade de madeiras exportadas pelo Brasil, Maurício Guetta, advogado do ISA, também destacou que “parece bastante evidente o fato do entendimento histórico do Ibama ter sido alterado muito rapidamente, logo após o pedido das associações de madeireiras do Pará”, afirmou em entrevista à CartaCapital.
“O Ibama tem por dever legal fiscalizar a exportação de madeira nativa, e o instrumento que viabilizava essa fiscalização era justamente a autorização de exportação – o que esse despacho foi eliminar é uma etapa crucial para a verificação da regularidade das atividades. Isso no momento em que o desmatamento vem em forte alta nos últimos anos, assim como os índices de degradação florestal, que são aquele mais relacionados a a extração ilegal de madeira”, explicou.
Para Guetta, a supressão da autorização inviabilizou a fiscalização do Ibama nessa matéria e confrontou tanto a Constituição, que prevê o direito ao meio ambiente e a necessidade do Estado em garanti-lo, quanto a lei do Código Florestal.
“O Ibama deveria fortalecer o sistema de fiscalização, mas o que adotou no momento do despacho interpretativo foi uma orientação totalmente contraditória com isso. E qualquer mudança nesse entendimento levaria mais tempo do que levou. Nós nunca vimos um pedido dessa magnitude ser atendido de forma tão rápida”, afirma.
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