Entrevistas

Guerra contra ONGs e desmate descontrolado são a “tempestade perfeita”

Geógrafo e ambientalista Carlos Durigan fala sobre as ameaças de Bolsonaro à Amazônia

Floresta
Foto: Carl de Souza/AFP Foto: Carl de Souza/AFP
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Nascido em Jaboticabal, cidade do interior paulista tomada por lavouras de cana-de-açúcar, o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan sonhava desde criança em viver na Amazônia. Lá se vão quase 30 anos desde que o sonho se tornou realidade. Após passagens pelo Ibama e outras duas entidades, ele dirige, há sete anos, a sucursal brasileira da Wildlife Conservation Society, organização norte-americana centenária dedicada à preservação da biodiversidade.  “Quando deixei o mestrado, queria atuar na prática pela conservação. Só encontrei trabalho nas ONGs”, afirma.

 

Carlos Durigan

Especialista em impactos de grandes obras sobre a floresta, ele agora atua sob ataques de um governo que abriu guerra contra as organizações. “Juntamente com a crise climática, é a tempestade perfeita.” Os ataques ocorrem em meio à pressão crescente de investidores, governos e movimentos sociais pela redução das queimadas e do desmatamento. A mais recente é Defund Bolsonaro, campanha que, inspirada nas palavras de ordem do Black Lives Matter contra a polícia, tenta contê-los por asfixia de investimento estrangeiro.

CartaCapital: Como resumiria a situação da Amazônia hoje?

Carlos Durigan: Tem piorado gradativamente. Mas, do ano passado para cá, sentimos uma piora bastante significativa. Os números não deixam mentir. Temos visto um processo consolidado de expansão das frentes de desmatamento. Não há um programa de combate, mas ações isoladas, reativas. Falta integração e planejamento para combater os ilícitos ambientais. Também sentimos as mudanças no clima. Estamos vivendo um período crítico de seca, e isso aumenta o potencial degradante das ações humanas por aqui. Há alterações nos regimes de chuva. Destruição da política de fiscalização, cenário global complicado… É a tempestade perfeita.

 

CC: Neste contexto, qual o peso dos ataques do governo?

CD: O governo não entra no debate, mas faz questão de desconstruir a imagem do interlocutor. Aconteceu com as universidades, o Inpe e agora conosco. Diz que a instituição tal é patrocinada por interesses na Amazônia, que há quem queira conservar a Amazônia sem nunca ter pisado aqui. É um absurdo. Quem vive fora ama a Amazônia como nós amamos. O Brasil vem há quase cem anos ‘vendendo’ a Amazônia para o mundo. Nos últimos anos, com as mudanças no clima, temos visto a importância da floresta para o ecossistema. Isso leva até os setores menos sensíveis, que só pensam em crescimento econômico, a perceber que sem conservar regiões naturais do planeta, a Amazônia, o Congo, a Sibéria, vamos ter problemas. O governo, fechado em si, vê isso como um processo conspiratório, com interesses obscuros que ninguém sabe quais são.

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Há resistência contra quem se organiza para trabalhar e defender o que acredita

CC: E as riquezas no subsolo amazônico?

CC: Ora, o subsolo é rico? Tem gente que o explora faz tempo. Existem dezenas de milhares de garimpeiros em atividade na Amazônia. Mais de 120 mil toneladas de mercúrio chegam ilegalmente ao Brasil. As ONGs, acusadas de defender esses interesses, lutam justamente contra essa situação. Não existe ameaça à soberania, pois ela está prejudicada. Há inúmeros interesses internacionais na Amazônia em curso com o apoio do governo: agronegócio, mineração, exploração de madeira. Até exploração da água. Empresas de bandeira internacional exploram o abastecimento de água em cidades da região. Percebo que ainda há uma resistência em aceitar que os indivíduos se organizem para trabalhar e para defender o que acreditam. Mas ninguém está preocupado com as empresas internacionais que têm plantas aqui, que geram riqueza por meio da produção industrial e exportam boa parte dela.

CC: Isso atrapalha o trabalho das ONGs?

CD: Esse distanciamento do governo com a sociedade civil é inédito, uma involução. Negativa por um lado, mas positiva de outro. As ONGs continuam a trabalhar. Ao contrário do que se diz, elas não dependem de recursos do governo. Ao contrário. A sociedade civil contribui para a captação de recursos. Independentemente do governo, ainda há gente boa na região. Mesmo com um trabalho de formiguinha numa comunidade, numa área de conservação, em terras indígenas. Temos uma malha social constituída que, mesmo atacada, sempre vai estar aqui para tentar manter a Amazônia como conhecemos. A grande preocupação é impedir que se chegue a um ponto sem volta.

 

CC: Estamos perto desse ponto?

CD: Em números, esse estágio seria atingido com 40% da Amazônia desmatada. São 20% no momento. Uma boa parte está degradada. Florestas secundárias pegam fogo todo ano e perderam a diversidade natural. Esse processo é imprevisível, pois o clima afeta muito. O verão amazônico está mais forte, mesmo sem os efeitos de El Niño. Há uma tendência, segundo alguns estudos, de que tenhamos períodos de El Niño mais frequentemente. Ou seja, mais extremos, como aconteceu em 2015 e 2016. Espécies desapareceram mesmo com em áreas de floresta em pé. Há ainda a questão do desmatamento com fogo. Com essas secas intensas, o processo de degradação se acentuou. Quando pegam fogo, muitas plantas sucumbem, elas não têm tanta resistência às chamas quanto aquelas do cerrado. Então, esse ponto de não-retorno pode chegar antes do que se imagina.

 

CC: Como as campanhas de pressão internacional, como o Defund Bolsonaro, surtem efeito?

CD: O governo é reativo às questões econômicas. Não participo dessa campanha, mas a considero muito interessante. O discurso social, o discurso étnico, o discurso do ataque aos direitos indígenas e quilombolas, o ataque aos rios… Nada disso sensibiliza o governo e quem o apoia.

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