Política

“É importante que as pessoas reconheçam a má intenção desse governo”

Thiago Almeida, porta-voz do Greenpeace, rebate Salles e critica a inoperância do governo diante do vazamento de óleo na costa nordestina

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Na desesperada tentativa de desviar a atenção pública sobre a própria incompetência, o ministro Ricardo Salles insinuou, na quinta-feira 24, que um navio do Greenpeace teria sido responsável pelo derramamento de óleo que atingiu a costa nordestina. Mentira deslavada. Além de ser pequena demais para transportar uma quantidade tão grande de petróleo, a embarcação partiu da Guiana Francesa com direção ao Brasil quando todos os estados do Nordeste já estavam com o litoral tingido pelas manchas negras.

“Mesmo que o Greenpeace tivesse um navio do tamanho de um petroleiro, a insinuação seria absurda”, afirma Thiago Almeida, porta-voz de clima e energia da entidade. “Temos um histórico de décadas contra a exploração de combustíveis fósseis e algo que o ministro Salles nunca teve: credibilidade”.

CartaCapital: Como o Greenpeace responde às insinuações do ministro?

Thiago Almeida: É inacreditável ver um ministro de Estado fazer esse tipo de ilação. O Greenpeace tem quase 50 anos de atuação em defesa do meio ambiente e da vida, enquanto Salles possui uma agenda claramente antiambiental e foi condenado por fraudar mapas da APA do Rio Tietê. É um ministro que mentiu sobre onde estudou (apresentou-se em um artigo como mestre em direito público pela Universidade de Yale, informação desmentida sete anos depois), está habituado a distorcer dados para enganar a população. É triste, decepcionante e surreal essa fase vivenciada pelo Brasil, na qual um ministro do Meio Ambiente se recusa a fazer o seu trabalho e busca apontar culpados, na tentativa de limpar a sua barra nas redes sociais.

CC: A tese conspiratória do ministro desafia a lógica. Como um navio daquele porte poderia ser responsável por um vazamento tão grande?

TA: É impossível. Mesmo que o Greenpeace tivesse um navio do tamanho de um petroleiro, a insinuação seria absurda. Temos um histórico de décadas contra a exploração de combustíveis fósseis e algo que o ministro Salles não tem: credibilidade.

CC: Recentemente, ativistas do Greenpeace foram detidos em Brasília durante um protesto em frente ao Palácio do Planalto. O que houve naquela ocasião?

TA: Nossos ativistas foram surpreendidos pela polícia quando estavam se retirando do ato. Eles foram levados a uma delegacia sem justificativa plausível, quando estavam exercendo o direito constitucional de protestar pacificamente. Até agora não sabemos exatamente qual é a acusação formal. Foram 19 ativistas detidos e 20 “qualificados” pela polícia. Eu fui o vigésimo. Não estava com o grupo, mas acabei incluído. Passamos cerca de duas horas e meia na delegacia.

CC: Como o Greenpeace avalia a gestão do governo federal na crise do vazamento de petróleo?

TA: Ela é extremamente incompetente. O governo demorou muito para começar a agir. Levou 41 dias para acionar o Plano Nacional de Contingência. Ainda assim, dois meses após as primeiras manchas de petróleo aparecerem no litoral nordestino, não vemos esse plano ser colocado em prática de maneira efetiva. Não foi criada toda aquela cadeia de comando, a envolver diversos ministérios, agências e entes do governo. Não vemos uma comunicação diária e transparente com a população, com os atingidos, sobre o que está sendo feito agora e o que está planejado para depois. Até porque esse acidente não deixará apenas um passivo ambiental, mas para a saúde das pessoas que se alimentam de peixes, caranguejos e mariscos ou que sobrevivem da pesca.

CC: E a gestão da área ambiental como um todo?

TA: O ministro toca sempre uma pauta antiambiental. Quer liberar atividades agropecuárias e a mineração em terras indígenas e unidades de conservação. Houve uma demora enorme do governo para reagir às queimadas na Amazônia. Repare que o procedimento do governo foi bastante parecido. Em um primeiro momento, procurou culpar as ONGs, fez insinuações de toda espécie. Hoje, temos a comprovação de que o “Dia do Fogo” foi organizado por empresários. Há um desmonte da proteção ambiental, que levou décadas para ser construída. Isso favorece a atuação de grupos criminosos. Na crise do petróleo, o governo foi tão ineficiente que a população precisou arregaçar as mangas e limpar as praias por conta própria, colocando a sua saúde em risco.

CC: O Greenpeace chegou a atuar nos esforços de limpeza das praias?

TA: Desde o início, temos voluntários nossos trabalhando em mutirões de limpeza. Ainda em setembro, visitamos algumas das regiões afetadas para documentar a situação e para conversar com as populações locais. Em parceria com outras organizações, buscamos formas de colaborar no enfrentamento dessa crise, e também com o objetivo de prevenir outros desastres. Essa é a razão do protesto que fizemos em Brasília. Faz parte de nossa missão investigar, expor e denunciar problemas ambientais. É importante que as pessoas reconheçam a incapacidade e a má intenção desse governo com o meio ambiente.

CC: Chegou a surpreender a atitude de Salles à frente do ministério do Meio Ambiente?

TA: Não, ele parece ter sido escolhido a dedo para promover esse desmonte. Temos um ministro que se reúne mais com empresas e indústrias do que com a sociedade civil e ambientalistas. Enquanto o óleo se espalhava pela costa do Nordeste, ele estava em um tour pela Europa para tentar melhorar a imagem do Brasil. Sem falar do leilão de blocos de petróleo que ameaçam o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. O corpo técnico do Ibama foi contra, recomendou à Agência Nacional de Petróleo a exclusão dessa área, mas o ministro deu a ordem para que os blocos fossem liberados. Esse é o nível de irresponsabilidade da turma.

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