Sustentabilidade

Destruição da Mata Atlântica cresceu em 10 de 17 estados, mostra estudo

Foram desflorestados 130 km² de vegetação. Agronegócio, pressão imobiliária e rastros da política ambiental do governo afligem especialistas

Ibama define Bacia do Rio Taquari (MT/MS) como área prioritária para recuperação (Foto: Ubirajara Pires/Ibama)
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Entre 2019 e 2020, o desmatamento na Mata Atlântica aumentou em dez dos 17 estados que ainda possuem registros do bioma, considerado o mais degradado no Brasil.

Os dados são da nova edição do Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, e publicado nesta quarta-feira 26.

Esse fenômeno indica saltos expressivos na degradação e uma inversão na tendência de reflorestamento da Mata Atlântica, que atravessas grandes capitais.

No total, foram desflorestados 130 km² de vegetação, 9% a menos do que no biênio 2018-2019, mas 14% a mais que o registrado entre 2017 e 2018, quando houve recorde negativo de destruição.

A causa majoritária da devastação nesses estados ainda reside na expansão para o agronegócio, segundo especialista

O desmatamento aumentou nos seguinte estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Espírito Santo. Nos dois últimos, o avanço do desmatamento aumentou mais de 400% – de 43 a 218 hectares em São Paulo e 13 para 75 hectares no Espírito Santo.

Por conta do estado já avançado de degradação do bioma, essa não é uma tendência de queda continuada: a Mata Atlântica também sofre respingos da atual política ambientalista brasileira. A avaliação é de Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.

“A Mata Atlântica tem uma lei que a protege, que também foi atacada pelo governo federal. Esse ambiente institucional de expectativa de impunidade, de retrocessos da legislação e de baixa fiscalização também contaminou a Mata Atlântica, ela não está imune. Essa não é uma agenda só da Amazônia”, analisa.

“Acende uma luz amarela e preocupa para o futuro. Nossa conversa para a Mata Atlântica é desmatamento zero e a agenda de restauração.”

Os cinco estados que mais desmataram acumularam 91% da perda de vegetação da Mata Atlântica

Guedes Pinto refere-se a medidas tomadas pelo ministro Ricardo Salles em 2020, com a elaboração de um decreto que não foi assinado por Jair Bolsonaro e um despacho que acabou sendo anulado pelo próprio ministro meses mais tarde. No primeiro caso, a intenção era modificar a Lei da Mata Atlântica e deixar de fora da proteção legal vegetações como ilhas costeiras e oceânicas, as áreas de estepe e savana e campos salinos. No segundo caso, o ministro facilitou a anistia a invasores de terra que tivessem ocupado o bioma até 2008 – o que também contrariava a Lei.

A responsabilidade primária pela fiscalização do desmatamento compete aos estados, destaca ele. As investidas do governo federal contra a Lei da Mata Atlântica e contra órgãos de fiscalização, entretanto, podem ter sido criada uma “expectativa de impunidade” que impulsionou a volta da exploração da floresta e derivados.

Impactos e consequências

Os cinco estados que mais desmataram acumularam 91% da perda de vegetação da Mata Atlântica no último período analisado, apesar dos três primeiros no ranking terem diminuído seus índices em relação ao passado. São eles Minas Gerais (de 4.972 para 4.701 hectares), Bahia (de 3.532 para 3.230 hectares), Paraná (de 2.767 para 2.151 hectares).

Segundo Guedes Pinto, as principais causas da devastação nesses estados ainda reside na expansão para o agronegócio.

Já no Rio de Janeiro e em São Paulo, o grande expoentes das “pulverizações” de perda de mata são os avanços da especulação imobiliária e do turismo. “A expansão das cidades, a especulação imobiliária e o turismo são responsáveis por vários pequenos desmatamentos em volta das metrópoles e das cidades litorâneas”, explica.

O mesmo ocorre em estados do Nordeste, onde o mercado imobiliário busca cada vez mais a exclusividade das faixas de areia.

Como consequência, o especialista destaca que a perda do que ainda resta da Mata Atlântica poderia agravar ainda mais os impactos na biodiversidade do local – o bioma é o que possui a maior parte dos animais em risco de extinção do País -, além da disponibilidade de água e a ocorrência de secas e problemas locais que, conectados à crise global das mudanças climáticas, podem agravar a situação de cidades costeiras que acabam com mangues e restingas e tornam-se mais reféns ao avanço do mar.

O Código Florestal brasileiro prevê, apenas na Mata Atlântica, a necessidade de recuperação de 4 a 5 milhões de hectares apenas nas áreas de preservação permanente. Com a contemporaneidade das discussões sobre a necessidade de diminuir a emissão de carbono na atmosfera, Luís Fernando Guedes Pinto afirma que poderia existir o maior projeto de sequestro de carbono do planeta caso essas metas fossem efetivamente cumpridas.

“A restauração da Mata Atlântica é fundamental para fornecer serviços ecossistêmicos para 70% da população e 80% do PIB brasileiro. Preservá-la é garantir água na torneira para evitar as crises hídricas. Com a agenda climática, ficou super evidente que além da gente parar de emitir carbono e parar de desmatar, a gente precisa sequestrar carbono em grande quantidade”, afirma.

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