Demora na limpeza de petróleo no mar faz sujeira se multiplicar por 10

Especialista francês estranha que o governo brasileiro não tenham conseguido identificar até agora a origem do derrame de óleo no Nordeste

Óleo atinge o litoral do Sergipe (Foto: Marcos Rodrigues)

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Já faz 18 anos que a Europa não registra um derramamento de óleo de grandes proporções – a última vez foi em 2002, quando 63 mil toneladas do petroleiro Prestige se espalharam pela costa atlântica de França, Espanha e Portugal. Apenas três anos antes, outra catástrofe ambiental, com o navio Erika, havia motivado a criação de uma agência europeia especializada no tratamento de poluição marítima, que implementou uma série de medidas de segurança para minimizar o impacto ambiental de acidentes desse tipo.

O objetivo é evitar que tragédias como o naufrágio do Amoco Cadiz, em 1978, se repitam. Até hoje, o acidente é considerado um dos maiores desastres ecológicos da história – mais de 270 toneladas de hidrocarbonetos foram despejadas ao longo 1.300 quilômetros a partir da Bretanha em direção ao sul. No percurso, 30% da fauna e 5% da flora marítima foram destruídos.

Desde então, a sensibilidade dos europeus ao tema só aumentou. Na última semana, o petróleo que se espalha pelo litoral nordestino há mais de um mês ganhou destaque na imprensa. Especialistas como Stéphane Doll, ex-militar da Marinha francesa e diretor do Centro de Documentação, Experimentações e Pesquisas sobre as Poluições Acidentais nas Águas (Cedre), da França, têm dificuldades de compreender por que as autoridades brasileiras demoraram tanto a agir para conter o óleo, que já contaminou 2.000 quilômetros de extensão.

“Tenho a impressão de que as autoridades estão concentradas em descobrir quem é. Na França, a prioridade é combater a poluição e limpar o ambiente, paralelamente a tentar descobrir de onde vem. O foco é recuperar o meio ambiente”, afirma o hidrógrafo.

Petróleo acumula dejetos no caminho

Quase 200 toneladas de petróleo cru foram recolhidas das praias nordestinas até terça-feira 15. Diante de uma quantidade tão elevada, Doll vê com estranheza o fato de que, até agora, as autoridades brasileiras não tenham conseguido identificar a origem do derrame.


Aves, tartarugas e golfinhos já foram encontrados mortos na região, cobertos de óleo. O especialista francês explica que a rapidez da atuação no mar é a regra número 1 para preservar a fauna e a flora marítima e costeira.

Equipe da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) de Sergipe faz a remoção do óleo (Foto: Marcos Rodrigues)

“É o mais importante. Quando você tem um litro de hidrocarbonetos e o deixa na água, muito rapidamente esse um litro vai se inchar de água e dobrar de volume. Se você reage muito rápido, o volume a limpar será bem menor”, nota Doll. “Quando esse um litro chega à praia, ele já será 10 vezes maior, portanto 10 vezes mais dejetos, porque terá se misturado à fauna, à flora, a algas e a outros dejetos.”

Com 40 anos de experiência e uma equipe pluridisciplinar que inclui engenheiros, técnicos, militares e pesquisadores, o Cedre é respeitado internacionalmente pela prevenção de catástrofes ambientais marítimas. A associação, com atuação permanente, foi aberta na sequência do acidente com o Amoco Cadiz.

Medidas de prevenção e de emergência

Anos depois, a agência europeia para a questão, EMSA, padronizou os procedimentos no bloco, com foco na prevenção. Os navios passaram a navegar mais afastados da costa e as tripulações são melhor formadas para reagir rápido aos imprevistos.

“O mais frequente é que, em caso de grande poluição marítima, vários países sejam atingidos. As últimas vezes na Europa foram o Erika, na França, e o Prestige, que se iniciou na França, mas desceu até a Espanha e Portugal”, relembra o ex-militar. “Além disso, um dos principais eixos de reação foi formar equipes de despoluição, para evitar que, no momento de limpar a praia, não seja feito algo ainda pior do que a poluição inicial.”

Stéphane Doll alerta, por exemplo, que o uso de escavadeiras para recolher o petróleo solidificado na areia tende a causar danos ainda maiores à flora litorânea do que o próprio petróleo. O trabalho, adverte, deve ser todo feito à mão.

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