Sustentabilidade

Calor recorde gerado por mudanças climáticas e El Niño atinge Ásia, África e América do Sul

‘É o aquecimento global de origem humana que está causando os recordes, especialmente no hemisfério sul e em torno do Equador’, explicam especialistas

Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, onde sensação térmica passa dos 60º C. Foto: TERCIO TEIXEIRA / AFP
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Os 62,3°C de sensação térmica no Rio de Janeiro no último fim de semana geraram espanto no mundo inteiro. No entanto, estas temperaturas recordes estão se tornando comuns em quase todo o planeta, desde o Marrocos à República Democrática do Congo, passando pela Tailândia, a Costa Rica e a África do Sul.

Nas últimas semanas, as temperaturas chegaram a 38ºC no Marrocos, 42,3ºC na África do Sul, 35,9ºC em Franceville, no Gabão e 45ºC no Sudão do Sul. Nas Américas, foram registrados 39,7ºC na Colômbia, 37ºC na Guiana e 39,2ºC na Costa Rica. Na Indonésia os termômetros marcaram 36,2ºC e 36,3ºC no Vietnã, uma triste repetição de recordes de temperatura quebrados nos últimos dias em todo o mundo, sejam mensais ou absolutos.

“É o aquecimento global de origem humana que está causando os recordes, especialmente no hemisfério sul e em torno do Equador”, explica Davide Faranda, pesquisador do CNRS no Laboratório de Clima e Ciências Climáticas. “Toda a África é afetada por temperaturas muito superiores às que vimos recentemente”, alerta.

Sudão do Sul esmagado por onda de calor

Isto é evidenciado pelos 45 graus anunciados no Sudão do Sul, que levaram as autoridades a fechar escolas até novo aviso, porque a maioria não tem eletricidade e nem sequer consegue ligar ventiladores. Se a onda de calor que atinge Juba, a capital do Sudão do Sul, é sentida por todos, os muçulmanos sofrem ainda mais durante este mês de Ramadã.

“Está de verdade terrivelmente quente, estamos lutando para aguentar. Esta onda de calor está esgotando todos aqui. Porque mesmo à noite o calor não diminui”, conta à RFI Sadik Umar Mohammed, um comerciante sudanês do mercado Souk Líbia, que acabava de terminar sua oração, .

Sob o sol escaldante do meio-dia, tudo fica em suspenso no mercado, como relata Keflé, outro comerciante da Eritreia.“Esse calor é totalmente insuportável! Nossos clientes estão ficando em casa. Só chegam depois das 16h. Durante todo o dia, não vendemos praticamente nada”, lamenta

Sentada sob um guarda-sol, com pequenas pilhas de mangas dispostas sobre uma esteira, Khamisa Suleiman segura uma grande garrafa de água. Ela diz que preferia não estar lá, mas não tem escolha. “Essa situação é difícil. Meus filhos não têm o que comer, eu não tenho suficiente renda para pagar as mensalidades escolares. Então, tenho que vir trabalhar aqui debaixo do sol”, diz. As autoridades recomendaram que os pais não deixem os filhos brincar ao ar livre. A onda de calor deverá continuar por pelo menos dez dias.

África está sufocando

Mas o fenômeno não se limita ao Sudão do Sul, “a onda de calor neste momento é continental”, explica Davide Faranda. “Os recordes estão sendo batidos na grande maioria do continente africano.”

Na maioria das capitais do continente são atingidas pelo calor sufocante. Kinshasa, por exemplo, igualou seu recorde absoluto de temperatura no dia 17 de março, com 37,2ºC alcançados. Do outro lado do Rio Congo, a situação é semelhante.

Em Brazzaville, o termômetro marca até 36ºC, em comparação com 29 a 30ºC na mesma época do ano passado. “Há dois dias durmo no quintal. Estendi um lençol e passei a maior parte da noite lá. Porque está muito quente, não é possível”, explica à RFI um professor da cidade que não aguenta mais o calor.

A população de Brazzaville não sabe mais o que fazer para se esconder do sol escaldante e do calor sufocante. Nas últimas semanas, a água escasseia nas torneiras e os longos apagões tornam a vida cotidiana insuportável.

“Esta é talvez a primeira vez que vivemos uma onda de calor no Congo. É insuportável. É ainda mais insuportável por causa das condições de vida. Não há eletricidade para se refrescar. Sem água, é difícil aguentar”, lamentam alguns entrevistados nas ruas da cidade.

“Os extremos de calor podem ser atribuídos ao aquecimento global”, diz Omar Badour, chefe de monitoração climática da Organização Meteorológica Mundial (OMM). A este movimento fundamental soma-se um evento meteorológico particular, o El Niño que “amplifica as ondas de calor naturais e acaba fazendo uma continuidade entre os anos de 2023 e 2024”, acrescenta.

Registros de temperatura na América do Sul

Os efeitos das mudanças climáticas e do El Niño são observados em outras partes do planeta, particularmente na América do Sul, Paraguai, Guiana, Colômbia e Costa Rica, onde os recordes vêm sendo batidos um após o outro, nos últimos dias.

O Brasil não fica para trás. Apesar dos termômetros realmente marcarem “apenas” 42ºC no Rio de Janeiro no fim de semana passado, a temperatura sentida foi estimada em 62,3ºC. A sensação térmica integra as consequências da umidade do ar, já que o calor seco é mais suportável que o úmido. “Quanto mais elevada é a temperatura sentida, mais difícil é suar. Passa a ser fisicamente impossível. O corpo não consegue mais reequilibrar a temperatura interna”, explica Davide Faranda.

Um fenômeno que está longe de ser isento de consequências. “Se determinados limites forem ultrapassados, como vimos no Brasil, isso pode parar completamente a transpiração e levar à morte”, alerta.

Infelizmente, nada disto é muito surpreendente e foi documentado e explicado repetidamente pelo IPCC em seus relatórios. Cada décimo de grau de aquecimento tem consequências. Além de um certo limite, certas regiões do planeta serão inabitáveis ​​para os seres humanos devido a este calor úmido.

“A frequência dos acontecimentos que testemunhamos hoje está aumentado”, afirma Davide Faranda. “Devido ao aquecimento global, estas ondas de calor não só são mais frequentes, como também mais intensas. O que antes era excepcional agora se torna a norma”, explica.

“Vemos muito claramente que há limites para a adaptação a estas condições. Eles não são definidos por nossas tecnologias, mas pela fisiologia humana. Isto é muito alarmante e nos alerta a partir de 2024 para um aquecimento global que vai continuar e que fará com que ultrapassemos estes limites com maior frequência e intensidade nos próximos anos”, alerta o pesquisador.

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