Política

Áreas de pasto oriundas de grilagem ocupam 75% das terras desmatadas na Amazônia

Em novo estudo, pesquisadores mostram o avanço do desmatamento fruto de atividade ilegal e o peso para o agravamento das mudanças climáticas

(Foto: Lula SAMPAIO / AFP)
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As áreas de pasto, boa parte resultante de grilagem, ocupam 75% das terras públicas desmatadas na Amazônia. Os dados são de um estudo lançado nesta quarta-feira 27 por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). O levantamento mostra o avanço do desmate fruto de atividade ilegal na área na última década e seu peso para o agravamento das mudanças climáticas.

Entre 1997 a 2020 foram destruídos um total de 21 milhões de hectares, o que representa 8% dos 276,5 milhões de hectares de florestas públicas existentes da Amazônia Legal. A área é maior do que o Paraná, frisam os pesquisadores. Outro dado associado é o da emissão de gases estufa: 10,2 giga toneladas de CO2, correspondendo a cinco anos de emissões brasileiras.

Ainda de acordo com o Ipam, 44% do desmatamento nos dois últimos anos, 2019 e 2020, ocorreu em terras públicas. A conversão de floresta em pasto é regra em terras devolutas e florestas não destinadas, muitas vezes seguida por um Cadastro Ambiental Rural (CAR) irregular, numa tentativa de emular posse da terra para venda ou para usufruto, avaliam os responsáveis pela pesquisa.

Atualmente, existem 16 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declaradas como propriedade privada dentro do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. O desmatamento nas áreas com CAR foi 59% maior no período 2016 a 2020 em relação ao período anterior, de 2011 a 2015.

“Depois do desmatamento, um quarto da área é abandonado e começa a apresentar indícios de regeneração. O restante vira pasto e continua até hoje”, explica a principal autora do estudo, a pesquisadora Caroline Salomão. “Nos últimos dez anos, percebemos que o pasto permaneceu nessas áreas públicas, ou seja, houve algum tipo de investimento.”

Os pesquisadores apontam que o boi criado nessas áreas pode ser vendido para outras fazendas e, mais cedo ou mais tarde, acaba invariavelmente em um frigorífico. Como as empresas não monitoram o cumprimento de regramentos sociais e ambientais de seus fornecedores indiretos, ele não é computado como carne de desmatamento ilegal.

Salomão defende que uma saída para o problema seria a de que esses frigoríficos e varejistas, com o auxílio do Ministério Público e de governos federal, estaduais e municipais, investissem em tecnologias para mapear todas as fazendas de fornecimento, dando escala a iniciativas inovadoras como “Boi na Linha”, GT Rastreabilidade do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), “Selo Verde”, entre outras.

Além disso, investimentos em capacitações sobre melhoria produtiva e regularização ambiental para fornecedores podem fazer uma grande diferença, fria a pesquisadora. “É claro que o combate à grilagem e a proteção das terras públicas é responsabilidade do governo. Mas o setor privado pode ser determinante para a mudança ao fechar as portas para ilegalidade”, defende a autora.

Relatório sai a dias da COP 26

O estudo do Ipam sai a dias do início da Conferência do Clima da ONU, que começa no dia 31 de outubro e vai até 12 de novembro. A COP 26 que acontece em Glasgow, no Reino Unido, tem a missão de acertar o livro de regras do Acordo de Paris, que estabelece esforços globais para controlar as emissões de gases do efeito estufa. Um dos pontos em aberto é o funcionamento de um mercado de carbono que tem o potencial de impulsionar projetos de conservação de florestas tropicais.

“Se o Brasil quiser se mostrar como destino de investimentos em projetos de REDD+ [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], por exemplo, precisa fazer a lição de casa. Isso significa necessariamente acabar com o desmatamento, começando por proteger as florestas públicas e combater a grilagem de forma definitiva”, pontou o pesquisador Paulo Moutinho.

“A grilagem é um fator de risco para o equilíbrio climático do planeta, e ainda carrega para o setor da pecuária dois problemas: ilegalidade e mais emissões de gases do efeito estufa”, pontuou. “Uma economia verdadeiramente de baixo carbono no Brasil precisa passar por uma análise ampla sobre o impacto das cadeias produtivas no agravamento do efeito estufa. Deixar essas emissões de lado não faz sentido quando temos uma emergência climática em curso”, alertou o especialista.

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