Entrevistas

Votarei em Lula e acredito em vitória no 1º turno, diz Casagrande; leia a entrevista

Em conversa com CartaCapital, o expoente da Democracia Corintiana vai além das quatro linhas (do campo) e discute golpe, liberdade de expressão e armas

Um dos expoentes da Democracia Corintiana, movimento dos anos 1980 pelo fim da ditadura militar, Casagrande defende um renascimento do movimento (Foto: Divulgação)
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Walter Casagrande Júnior deixou a TV Globo, onde trabalhou como comentarista esportivo por 25 anos, em 6 de julho. Nesse quarto de século, não se limitou a analisar o que acontecia nas quatro linhas (do campo de futebol), uma extensão de sua postura como atleta profissional.

Um dos expoentes da Democracia Corintiana, movimento dos anos 1980 pelo fim da ditadura militar, Casagrande concedeu uma entrevista a CartaCapital na quarta-feira 13 para tratar da “bolha” do jornalismo esportivo, da falta de manifestações claras de jogadores de futebol, do risco de golpe e de seu voto em Lula na eleição deste ano. Uma entrevista concedida pelo cidadão, não pelo jornalista e colunista esportivo, faz questão de ressaltar.

Se há 40 anos empunhava, ao lado de Sócrates, Wladimir e outros, a bandeira do voto direto, hoje não esconde a preocupação com o recrudescimento da violência política, estimulada pelo armamentismo bolsonarista e por uma noção deturpada de “liberdade de expressão”.

Confira, a seguir, os destaques da conversa.

CartaCapital: Você participou ativamente da luta pelas Diretas, em 1984. As eleições deste ano são as mais importantes desde a redemocratização?

Walter Casagrande: Sem dúvida alguma. O Brasil está destruído. Com esse governo, a cada dia, a cada minuto a destruição aumenta. A destruição moral, da Amazônia, dos valores e dos princípios. A fome aumentou, a inflação está alta, o governo não comprou vacina quando tinha de comprar. O pacote de destruição desse governo é muito grande e muito maior que na época da ditadura.

Os radicais bolsonaristas armados são racistas, homofóbicos, machistas e têm o aval para ser tudo isso

CC: Você se assusta com a escalada da violência política às vésperas da campanha eleitoral?

WC: Ninguém pode ficar assustado e surpreso com isso, porque é isso que ele [Jair Bolsonaro] faz desde que entrou no governo. Ele liberou as armas para armar os radicais bolsonaristas. Facilitou o certificado de caçador, qualquer um aí é caçador – vai lá, tira o certificado, compra três espingardas para matar animais grandes e está armado.

Temos hoje um grupo grande de pessoas na rua carregadas no ódio, armadas e incentivadas pela família Bolsonaro a fazer o que quiserem. A gente tem de analisar as entrelinhas, isso eu aprendi muito no meu tratamento, na área de psicologia. Ler o que a pessoa fala, não só ouvir. Você ouve, mas tem de ler a mensagem.

E o Flávio Bolsonaro, duas semanas atrás, disse que eles não têm como conter os apoiadores. Isso aí, para a pessoa que entende, é o seguinte: “Gente, vamos fazer violência”. Se eles tiram o corpo fora, é porque as pessoas podem fazer. É o governo que tem de impedir a violência. Está dizendo e mandando uma mensagem para seus seguidores violentos e armados.

Diariamente, em quatro anos tivemos do presidente falas racistas, falas homofóbicas, falas machistas. Cansou de ofender as mulheres, principalmente as jornalistas, cansou de fazer grosseria e faz até hoje.

Os radicais bolsonaristas armados são racistas, homofóbicos, machistas e têm o aval para ser tudo isso. É isso que o governo faz: segura a onda. Segura a onda da investigação do Bruno Pereira e do Dom Philips, do processo das rachadinhas, da interferência na Polícia Federal, do combate à pandemia, agora tenta segurar a CPI do MEC. Corrupção no MEC, envolvimento de pastores com o apoio do governo federal. Não tem mais o que pensar sobre uma investigação, está tudo muito claro. Tem de ir para cima e chegar até o fim disso aí. Mas não vão fazer isso, vão varrer para baixo do tapete.

Eu não tenho a mínima preocupação sobre vitória ou derrota, tenho certeza de vitória nas urnas. Acho até que vai ser no primeiro turno. Mas vai ter uma violência imensa. Morreu o líder petista no sábado, que foi o pontapé inicial no jogo. O juiz apitou, deram a saída, assassinaram um líder do PT gritando “Bolsonaro”. Agora, se a Polícia não colaborar com a gente, vai acontecer mais.

CC: Você abre o seu voto para presidente em 2022?

Eu voto no mesmo partido em que sempre votei. Vou votar no PT, vou votar no Lula. Gosto muito do Ciro, mas quem vai ganhar é o Lula, não é o Ciro. A coisa principal é tirar a família Bolsonaro, para a sobrevivência do País, da Nação.

É para a sobrevivência do território brasileiro, e isso é uma coisa muito louca. Temos que votar para salvar a Amazônia, os indígenas.

CC: Por 25 anos na Globo, você sempre se manifestou politicamente. Falta isso no jornalismo esportivo brasileiro?

WC: Conheço muitos jornalistas esportivos que se manifestam e se mostram, são muitos. De cara dou exemplo de dois: Juca Kfouri e José Trajano. Mas atrás vêm um monte de jornalistas esportivos que se posicionam, mostram a cara, escrevem textos. Poderiam ser mais.

Em relação à Globo, quando cheguei, em 1997, o saudoso Marco Mora falou para mim: “Estamos contratando o comentarista da ESPN. Não vem aqui agora, só porque é Globo, ficar maneirando. Queremos sua opinião direta, e é por isso que te contratamos”. Foi assim que me deram a liberdade, e eu fui aos poucos sabendo o meu limite. Eu tinha total conhecimento do meu limite, tanto que nenhuma vez, em 25 anos, me censuraram.

Só que o tempo passa, as pessoas mudam. A TV Globo continua, tenho uma gratidão enorme, não tenho nada a reclamar da TV Globo. Passei 25 anos na melhor empresa de comunicação do País, talvez da América Latina. Mas as pessoas vão mudando e o modo de dirigir os departamentos vai mudando.

De um tempo para cá, fui percebendo que menos pessoas falavam, tinha menos eco quando eu falava. E eu tinha menos referências para dar continuidade a um posicionamento, porque, antes, várias pessoas dentro do esporte também se posicionavam, não era só eu. Depois de um tempo, essas pessoas pararam de se posicionar politicamente e eu continuei. E aí eu percebi que já tinha entrado em um túnel sem ninguém dentro.

Fui percebendo que estava chegando no fim a minha parceria com a TV Globo, porque eu continuei me manifestando, me posicionando politicamente, na questão social, e não era mais isso que as pessoas queriam.

CC: Como você se sente hoje, uma semana depois da saída?

WC: Os melhores momentos da minha vida profissional como comentarista foram na TV Globo. Foram 25 anos. Seis Copas do Mundo, três Olimpíadas, diversas Libertadores, Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Copa América, Copa das Confederações, amistosos da Seleção Brasileira pelo mundo todo… O tamanho de experiência, conhecimento e conteúdo que tenho em relação ao futebol mundial foi criado ali dentro.

Já estava na hora de sair. Eu não estava mais a fim de ficar, essa direção não estava mais a fim de que eu ficasse. Estava todo mundo meio que empurrando com a barriga. Mas nesse meio tempo a série foi lançada pela Susanna Lira no Globoplay [a série Casão – Num jogo sem regras], é a mais vista do Globoplay. Fez um sucesso e é uma referência para muita coisa diante do problema de dependência química, de relacionamento. Participei de Roda Viva, Altas Horas, Fátima, programas no GNT, lancei três livros com o Gilvan Ribeiro.

Quando eu saí, na semana passada, eu saí no meu melhor momento. Quando eu saí da bolha, vi o tamanho do mundo esportivo, porque lá dentro eu vivia só aquele mundo. Muito bem vivido, sem nada para reclamar, mas era ali dentro. Para dar entrevista tinha de pedir autorização e a Globo às vezes autorizava, às vezes não. Quando eu saí, meu telefone não parou. E eu percebi que todo mundo sempre teve vontade de falar comigo.

Ao mesmo tempo, vi também o interesse rápido de outros lugares para me contratar, e eu me senti aliviado, porque não dava mais, era um peso muito grande. Com o alívio, vieram esse carinho, esse interesse, essa manifestação pública.

CC: Como a sua postura crítica sobre a Seleção era vista na Globo?

WC: Por muitos anos, todas as minhas críticas em relação à Seleção Brasileira e a jogadores sempre foram encaradas com muito apoio, porque eu era um dos poucos, talvez o único, a ir direto ao assunto. E isso era bem visto na direção da TV Globo.

Nos últimos quatro anos, até antes da Copa de 2018, começou a surgir o interesse maior pelo lado comercial de uma Copa do Mundo e pelo lado de ter entrevistas exclusivas com jogador, como o Neymar. Depois da Copa América de 2019, eu fui saindo dos jogos da Seleção Brasileira aos poucos. Não fazia mais todos os jogos, depois fazia só um de vez em quando, um mais tranquilo eu fazia. Então eu percebi que não estavam tendo muito mais interesse no meu jeito de criticar.

Mas não é a Seleção Brasileira. Eu critico desse jeito os jogos do Brasileiro, da Libertadores, da Copa do Brasil. As minhas críticas são sempre diretas, não me importa. Eu sou totalmente independente mesmo, não tenho relação próxima com jogadores, empresários, dirigentes, presidentes, treinadores. Não tenho telefone quase de ninguém.

Como eu valorizo a minha opinião, ela é contundente. Não passo pano. Talvez isso já não seja mais de interesse da casa. Talvez a casa queira que as críticas sejam mais leves, principalmente com a seleção e com o Neymar.

Eu não tenho nada contra o Neymar. Quando ele era do Santos e foi para o Barcelona, a Copa de 2014, por exemplo, quando ele jogava bem, eu sempre o elogiei. A minha postura mudou em relação ao Neymar quando ele foi para o PSG e não deu motivo algum para ter elogios mirabolantes, como aqui no Brasil tem e na Europa ninguém tem com ele. Aqui no Brasil tem, mesmo sem ele fazer nada, e isso é incompreensível para mim.

Vejo notícias de que ele está chegando uma hora e meia antes do treino e está se empenhando. Se ele mantiver isso no segundo semestre, chegar na Copa arrebentando e o Brasil chegar pelo menos à final, vai ser elogiado muito por mim.

Mas eu não consigo ser ufanista, nem comentar em cima de desejos. Eu comento em cima do que estou vendo. Eu gostaria que a seleção fosse campeã e o Neymar artilheiro da Copa, mas não é isso que eu vejo hoje. O público é inteligente.

CC: O Brasil se vê sob a ameaça de uma nova ruptura democrática. Você se incomoda com a falta de manifestações de jogadores de futebol?

WC: Me desagrada muito. O esporte brasileiro se manifesta muito pouco sobre a política do País. O Brasil ainda é o País do futebol, e hoje tem redes sociais, tem visibilidade, o que você fala explode na hora.

Os jogadores de futebol deveriam ter mais responsabilidade em tudo o que está acontecendo. Não estou dizendo que têm de ser contra ou a favor de Bolsonaro, mas é impossível negar a fome, as mortes na pandemia, a inflação, a corrupção. Não dá para fechar os olhos, mas a grande maioria fecha. Se a postura deles é essa, não estão preocupados com o que acontece no País em que eles nasceram…

A grande maioria dos jogadores de futebol sai de uma família pobre, com muitos irmãos, muitas vezes passa fome. Esse jogador resolve o problema da família e depois de um tempo acha que nasceu do jeito que está hoje, esquece que no Brasil tem muita gente passando fome, como nós, jogadores de futebol, passamos em algum momento. Sinto a falta da voz deles, mas isso é uma opinião minha, não é uma exigência.

Estamos correndo o risco de uma ruptura democrática? Ela já aconteceu, só não é oficial. Se o Bolsonaro ganhar, aí fica oficial, porque não está havendo democracia. Veja a liberdade de expressão. Os bolsonaristas, principalmente, acham que liberdade de expressão é você ofender, atacar, xingar as outras pessoas, e não é. Liberdade de expressão é você opinar, não atacar. Me chamar de “viciado”, “drogado” e “financiador do tráfico” não é liberdade de expressão, é agressão.

A ruptura já aconteceu. Racismo explícito, homofobia, machismo, assassinatos, desmatamento, garimpo ilegal, assassinatos de indígenas… Isso não faz parte da democracia. A democracia no Brasil se rompeu há muito tempo, faz quatro anos que está rompida. Só não é oficial.

Essa eleição vai resolver se vamos defender a democracia. Com esse governo saindo, porque tenho certeza de que vai sair, a democracia vai criar corpo, vai se recompor. Vamos ter de refazer. É a Refazenda, do Gilberto Gil. A gente vai ter de refazer o Brasil em todos os pontos: conceitos, território, educação, social, política, valores.

CC: Como você resumiria a importância da Democracia Corintiana?

WC: Há diversos comentários espalhados pelo mundo. Todo ano eu dou três, quatro entrevistas para diversos países sobre a Democracia Corintiana.

Não há uma entrevista que dou para revistas inglesas, italianas, americanas em que não me perguntem sobre a Democracia Corintiana. Fomos importantes, inicialmente, na postura do jogador de futebol. A gente queria que o jogador fosse tratado como cidadão, com os direitos e deveres.

O que valeu foi a gente ser campeão em 1982 defendendo a democracia, com isso escrito na nossa camisa. Foi jogar com a camisa que trazia a mensagem “Dia 15, vote”, incentivando as pessoas a votar, porque muitas achavam que seriam presas.

A importância do corpo que pegou a Democracia depois de 1982 e 1983, a participação nas Diretas, em 1984. Aí a Democracia Corintiana saiu da bolha do futebol e passou para a sociedade e a política. Esse foi o impacto.

Para a juventude, para os leitores jovens, digo: quem não tirou o título de eleitor deveria ter tirado. Todo mundo tem de ir lá votar. E vote pela democracia. Vocês sabem muito bem o que é democracia.

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