Sociedade
Vítimas da tragédia no RS são consideradas refugiadas climáticas?
Dados da ONU apontam que desastres são uma das principais causas de deslocamentos forçados em todo o mundo


A tragédia que afeta o estado do Rio Grande do Sul desde o início do mês levou mais 300 mil pessoas a deixarem suas casas e trouxe um tema até então pouco comum ao debate público brasileiro. A expressão refugiados climáticos passou a ser utilizada em referência à parte da população gaúcha que precisou se deslocar frente ao risco das chuvas e enchentes.
Embora o termo “refugiado climático” não seja oficialmente reconhecido pelo direito internacional, ele é comumente usado para se referir a grupos que tiveram que sair de regiões afetadas por grandes eventos climáticos e recomeçar a vida em outro lugar.
No caso do Rio Grande do Sul, ainda não há estimativa sobre quantas pessoas conseguirão voltar para casa depois que a água das enchentes baixar. Parte do cálculo sobre o que poderá ser reconstruído depende da melhora das condições meteorológicas.
Ainda assim, já é possível prever que o desastre tem potencial para criar um fluxo de pessoas para outras regiões. Números da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a crise climática provocou mais da metade das mudanças de território observadas em 2022.
Quase 60% das vítimas que precisaram se deslocar viviam em nações mais vulneráveis às alterações climáticas. A maior parte delas buscou se restabelecer no próprio país de origem. Em 32,6 milhões dos deslocamentos internos, 98% foram causados por riscos relacionados ao clima.
“Podemos entender o refugiado climático como qualquer pessoa que é obrigada a se mudar de seu local de origem por conta de eventos climáticos recorrentes ou de uma grande tragédia climática, de início lento ou não, que torne impossível a vida naquele lugar”, explica Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima.
Na América do Sul, o Brasil é o país que mais registrou mudanças territoriais relacionadas à crise climática. Foram mais de 700 mil em 2022. Claudio Angelo afirma que o tamanho e a geografia do país tornam o território nacional vulnerável a diferentes tipos de desastres.
Ele ressalta que as catástrofes climáticas potencializam velhas questões estruturais. “Nós já tínhamos problemas históricos de urbanização e de desigualdades sociais. A mudança do clima é uma espécie de acelerador desses problemas. Quando esses eventos se tornam mais extremos e frequentes, o que não resolvemos no passado se torna uma vulnerabilidade ainda maior.”
Os deslocamentos internos por questões climáticas não estão previstos na Convenção de Refugiados de 1951 da ONU. O texto prevê proteção a pessoas que fogem de situações de guerra, violência, conflito e perseguição e cruzam fronteiras internacionais.
Já a Declaração de Cartagena da América Latina considera também quem se desloca por causa de eventos que perturbam a ordem pública em larga escala, definição que pode incluir vítimas de crises climáticas.
Segundo a ONU, entre 2008 e 2022 houve aumento de mais de 40% nos casos de deslocamentos causados por tragédias ambientais. A organização também aponta que essas mudanças forçadas ampliam os impactos da pobreza, da falta de recursos para a subsistência e da violência relacionada a essa escassez.
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