Sociedade
Violência em Criciúma é mais um caso de terrorismo urbano, avalia professor
Para Rafael Alcadipani, o Brasil corre o risco de viver cenário semelhante ao da Colômbia no passado. “É preciso integrar as polícias”
Na madrugada desta terça-feira 1, criminosos fortemente armados provocaram incêndios, bloquearam ruas e usaram reféns como escudos em um assalto a um banco em Criciúma, Santa Catarina.
Nenhum envolvido foi preso até agora – os únicos detidos foram cidadãos que recolheram cédulas espalhadas pela rua.
Esse episódio é parte de um fenômeno que Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem chamado de terrorismo urbano. “São quadrilhas especializadas. O PCC aluga as armas.”
O alvo preferencial desses roubos cinematográficos são as médias cidades. Houve crimes do tipo em Botucatu, Ourinhos e Araraquara, no interior de São Paulo, e também nas regiões Norte e Nordeste.
Alcadipani: Polícias são ilhas”
Para Alcadipani, o caso escancara um grave problema de segurança pública: a falta articulação entre as polícias. O corporativismo e a desconfiança mútua, somada e a falta de liderança do governo, dificultam ações conjuntas e troca de informações.
“O Brasil corre o risco de ter conflitos semelhantes aos da Colômbia no passado e do México atualmente. O crime organizado não está sob controle no Brasil. E só vamos controlá-lo quando houver integração.”
Confira a entrevista seguir:
CartaCapital: Porque esse tipo de assalto tem se popularizado?
RA: É preciso entender que o crime sempre busca facilidade, e percebeu que esse tipo de ação gera frutos rapidamente. Assim que dominam e entendem essa maneira de atuar, fica relativamente fácil. Chegam, tomam a cidade de assalto, e conseguem auferir altíssimos lucros. São quadrilhas especializadas que perceberam que isso funciona.
CC: Por que é tão difícil prevenir e punir esses crimes?
RA: Primeiro, porque as polícias não conversam entre si. O que temos são ilhas. As polícias foram tomadas por lógicas corporativistas, e por isso não troca informações. Todo mundo desconfia de todo mundo e ninguém conversa. Para a informação fluir, é preciso integrar as polícias.
Para evitar ações como essa, é preciso ter um plano estabelecido. Em Botucatu e Araraquara, por exemplo, há Polícia Civil, Polícia Militar, Guarda Municipal. Mas, num caso como esse, cada uma corre atrás do próprio rabo. Não há esforços em conjunto.
CC: Como fazer isso? E quais as dificuldades?
Tem que haver comandantes e chefes de polícia que obriguem esse diálogo. Mas não vemos a Secretaria de Segurança Pública forçando essa integração.
Precisamos também ter uma polícia investigativa forte. Essa polícia, infelizmente, foi sucateada por diferentes governos ao longo dos anos. É preciso investigar para que esses caras sejam presos.
É um absurdo ter troca de tiros em uma cidade. Muita gente chama de ‘novo cangaço’. Não concordo, é terrorismo urbano. Eles devem ser enquadrados na Lei de Terrorismo.
CC: Por que as cidades médias são o alvo?
RA: Porque as polícia especializadas, como o Choque e a Rota, estão concentradas em grandes centros urbanos. E nesses municípios circula muito dinheiro. Nós estamos literalmente à mercê do crime organizado.
CC: Como essas organizações conseguem armamento tão pesado?
RA: O PCC aluga as armas. E há os explosivistas, que precisam ter essa habilidade de lidar com bombas. Com esse conhecimento, fica fácil. É uma junção de explosivistas e quadrilhas que sabem usar armas e dispostas a matar e morrer. No mundo do crime, não é tão difícil de encontrar esse perfil.
CC: Qual o risco da popularização desses assaltos?
RA: As quadrilhas tem visto que esse é um caminho fácil. E isso inspira outras ações. O Brasil corre o risco de ter conflitos semelhantes aos da Colômbia no passado e do México no passado. O crime organizado não está sob controle no Brasil. E só vamos controlá-lo quando houver integração da polícias e investimento em inteligência policial.
O que todo mundo quer é colocar nas ruas caras mau-encarados com fuzil na rua, dar fuzil para guardas municipais. Pode haver os equipamentos até do exército americano. Sem informação e inteligência, nunca vai dar certo.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.