Sociedade

‘Vá ao IML e depois nos informe’: Pesquisa expõe a falta de suporte na busca por desaparecidos

Além da ausência de prioridade nas investigações, leis promulgadas que definiram estratégias para auxiliar familiares não saíram do papel

Márcia Cristina, mãe de Jowayner Athayde de Albuquerque, jovem desaparecido há nove anos. Foto: Arquivo pessoal
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A tarde do domingo 17 de fevereiro de 2013 foi a última em que Márcia Cristina, 56, viu seu filho Jowayner Athayde de Albuquerque, à época com 16 anos. No dia seguinte, ao procurar uma delegacia em Campo Grande, bairro do Rio de Janeiro onde mora, ela escutou que precisava de testemunhas para registrar o desaparecimento do filho.  

Márcia conseguiu retornar à delegacia com pessoas que estiveram com ele em uma festa de carnaval naquele domingo. Ao voltar ao local, porém, ouviu que ali nada poderiam fazer. “Eles me mandaram: ‘Vai olhar nos hospitais, procure no IML [Instituto Médico Legal].'” 

Ela começou a busca sozinha e conseguiu fazer o registro de ocorrência somente uma semana depois. “Eu nem sabia que em Campo Grande tinha IML. Não sabia disso porque você não está preparado para o tipo de situação, sabe? Essa tristeza, essa preocupação e tormento que a nossa vida fica com um filho desaparecido.”

A situação relatada por Márcia faz parte do percurso enfrentado por muitas pessoas, majoritariamente mães, em busca dos seus familiares desaparecidos. O cenário foi detalhado pela nova pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o Cesec, divulgada nesta quinta-feira 26.

Há 71,6 mil registros de desaparecidos por ano. Entre 2007 e 2020, foram cerca de 196 casos por dia no Brasil. O estado do Rio de Janeiro registrou a marca de 26,8 desaparecidos para cada 100 mil habitantes. 

A pesquisa destaca que, nesse caminho, a maior dificuldade está na ausência de instituições devidamente equipadas e de políticas públicas conectadas. “Em muitas ocasiões ainda há uma resistência de muitos policiais para iniciar as pesquisas e registrar B.O.”, explica Paula Napolião, coordenadora da pesquisa. “[Alguns] reproduzem uma ideia e uma noção errada de que é preciso 24 horas, 48 horas para fazer esse registro e, por lei, isso não procede.”

A lei mencionada é a que ficou conhecida como “busca imediata”, promulgada em 2005. Ela alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para que as investigações de desaparecimento de menores de idade começassem assim que os órgãos competentes fossem notificados.

A pesquisa também apurou que nos anos 2010 onze projetos de lei sobre desaparecimento foram aprovados, mas nenhum foi colocado em prática. Dentre eles, “as normas que estipularam a divulgação de imagens de desaparecidos e a obrigatoriedade de notificar à Polícia Civil a presença de pacientes sem identificação em hospitais públicos”.

No Rio, o único setor especializado em investigar e amparar as famílias é a Delegacia de Descoberta de Paradeiros, a DDPA. Criada em 2014, é uma referência na capital fluminense. Por estar na Zona Norte, próximo à região central da cidade, nem todos os bairros podem ser atendidos pela DDPA. Logo, há direcionamento para as delegacias de homicídio.

A delegada responsável pela DDPA, ouvida pela pesquisa, aponta que a importância desses setores especializados está no acolhimento e no apoio à vítima, tratamento geralmente negligenciado nos atendimentos locais. 

Durante o período da pesquisa, de 2020 a 2021, nenhuma das pessoas acompanhadas conseguiu reencontrar seus familiares. Para Márcia, o apoio que ela buscava não foi encontrado nas instituições públicas. Hoje, ela integra a ONG Mães Braços Fortes, que trabalha no apoio a famílias de jovens desaparecidos.

“Se eles [policiais] me ligaram duas vezes em três anos foi muito. E me ligavam perguntando se eu já tinha ido ao IML novamente ou tinha conseguido o endereço de quem estava com meu filho naquele dia. São nove anos que eu só sei dormir olhando pra porta, sabe? Esperando ele voltar.”

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