Sociedade

UPPs precisam de ajustes para evitar fracasso

Especialistas criticam aumento desordenado do contingente policial e concentração de unidades perto de áreas nobres do Rio de Janeiro

Segundo especialistas, o objetivo principal de aproximar a polícia da comunidade não foi alcançado
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Prestes a completar seis anos, o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro evidencia erros de gestão. Se, nos primeiros dois anos, o projeto provocou queda significativa no número de homicídios e roubos – 75% e 50%, respectivamente –, as estatísticas deste ano lembram o cenário dos tempos anteriores à instalação da primeira UPP, no Morro Santa Marta, em novembro de 2008.

A tendência de redução nas ocorrências de crimes mais graves inverteu-se nos últimos dois anos. No primeiro trimestre de 2014, o Instituto de Segurança Pública do Rio registrou 1.459 assassinatos – número próximo aos 1.562 casos de 2008. Em 2012 foram 1.100.

Com 38 unidades implantadas e um efetivo de 9,5 mil policiais militares, o projeto não alcançou um dos seus objetivos principais: aproximar a polícia da população das favelas. Neste início de setembro, o Ministério Público denunciou três PMs da UPP do Jacarezinho, no subúrbio do Rio, suspeitos de participar do estupro de três moradoras da comunidade.

“A relação entre a UPP e a comunidade ainda é extremamente tensa. Não se construiu um policiamento de proximidade, e a maioria dos policiais não quer trabalhar em comunidades pacificadas. Ao que seria um primeiro passo – introduzir o policiamento e acabar com a disputa pelo território – deveria se seguir à construção de uma relação diferente, mas isso não foi feito”, avalia o sociólogo Ignacio Cano, professor da Uerj.

Ao lado de outras políticas, como o sistema de metas de prevenção para os policiais, as UPPs tiveram inicialmente um impacto positivo, mas, no decorrer da implantação das unidades, nada foi avaliado e ajustado, segundo Cano. “Os gestores públicos se convenceram de que apenas a continuidade das políticas seria o suficiente. Houve certa inércia quanto às políticas de segurança para lidar com as milícias, por exemplo”, critica.

Geografia da pacificação

 

Autor de diversos estudos sobre o impacto das UPPs e a atuação de milícias no Rio de Janeiro, Cano critica também a estratégia de escolha das comunidades a serem pacificadas. Ele diz que o governo estadual prioriza a zona sul e o centro e deixa de atender comunidades violentas da periferia. “O projeto de expansão é pensado de forma a transformar o Rio de Janeiro num centro internacional de turismo e negócios. O foco geográfico do projeto tem que mudar”, argumenta.

Segundo Cano, as próximas comunidades deveriam ser escolhidas com base nos níveis locais de violência. “É necessário reduzir o contingente onde a situação está melhor, como na comunidade Dona Marta, por exemplo, e aumentar o número de policiais onde há uma situação de descontrole”, diz. “É preciso fazer ajustes mais finos e, assim, evitar homicídios.”

O cientista político Jorge da Silva, ex-secretário estadual de Direitos Humanos do Rio de Janeiro e ex-coronel da Polícia Militar, critica a má distribuição dos policiais entre as UPPs e o restante do estado. “Começaram a formar PMs como em uma linha de montagem. Um treinamento às pressas não dá certo. O morador teme o traficante e não confia na polícia. O que era um programa específico foi transformado numa política para todo um estado”, afirma.

Na comunidade da Rocinha, o contingente para atender 71 mil moradores é de 700 policiais, enquanto em São Gonçalo, na região metropolitana, o efetivo policial é praticamente o mesmo: 750 homens. O município tem mais de 1 milhão de habitantes.

“A política de segurança pública foi reduzida à UPP e à cidade do Rio de Janeiro. A situação é crítica na região metropolitana e no interior do estado. É preciso retomar os projetos sociais, distribuir melhor o efetivo e evitar a expansão desordenada desse modelo”, alerta Silva.

UPPs e as eleições

Nestas eleições, a continuidade do projeto das UPPs está no discurso dos candidatos ao governo do Rio de Janeiro. Marcelo Crivella (PRB) e Luiz Fernando Pezão (PMDB) querem ampliar a estratégia de expansão. Lindbergh Farias (PT) sugere “aperfeiçoamentos”, com aumento dos serviços sociais nas comunidades pacificadas, e Anthony Garotinho (PR) quer transformar as UPPs em “companhias legais”, com a oferta de equipamentos culturais e defensoria pública.

“Os candidatos dizem que vão continuar o projeto, mas sem muita ênfase e convicção. O projeto é visto como sendo do governo anterior. Hoje, o projeto já sofre críticas, e a visão sobre ele já não é tão positiva”, avalia Cano.

Para a pesquisadora Barbara Mucumeci Mourão, coordenadora do estudo UPPs: O que pensam os policiais, realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, a percepção sobre o desenvolvimento do projeto precisa ser complexa.

“Quem for governar o Rio deve vir para ajudar, no sentido de aprimorar a política e não levá-la para os piores caminhos. É um processo ainda em curso. O modelo de UPP não está pronto e não há certeza sobre onde esse projeto vai parar”, avalia.

  • Autoria Karina Gomes

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