Atuação das UPPs se aproxima do modo de agir da Polícia Militar

Apenas 5,3% dos policiais entrevistados se reúnem com a população; otimismo dos moradores em relação ao programa cai para 23,8%

A deterioração da proposta inicial do projeto gera uma série de dúvidas sobre seu futuro

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No Rio de Janeiro, dentre 2.002 cabos e soldados entrevistados em 2014, 56,4% costumam abordar e revistar suspeitos, 26% declaram estabelecer alguma prática de aproximação com populações locais, 14% afirmam participar da mediação de conflitos e apenas 5,3% se reúnem de forma concisa com os moradores. O que parece ser um retrato do tradicional modo de agir da Polícia Militar, remete, na verdade, aos números de atuação das UPPs nas favelas cariocas.

Implantado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro no fim de 2008, o projeto das Unidades de Policia Pacificadora, as UPPs, aproxima-se cada vez mais do modus operandi convencional da PM. É o que mostra uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, realizado em três momentos de fixação das UPPs nas comunidades.

A premissa do programa das UPPs propunha um modelo de policiamento que permitisse uma nova relação entre moradores e policiais, mais precisamente, uma parceria entre a população das comunidades e as instituições do setor de Segurança Pública. O que se vê, porém, é o contrário.

Em 2014, período de última etapa da pesquisa, foram entrevistadas autoridades das 36 UPPs cariocas. Segundo Silvia Ramos, coordenadora da pesquisa ao lado de Bárbara Musumeci Mourão e Leonarda Musumeci, os dados evidenciam um reforço de práticas usuais utilizadas em contextos fora das UPPs.  

Os percentuais também são baixos quando se trata da proximidade entre autoridades e instituições atuantes nas comunidades: 30,3% mantém contato com associações de moradores, 18,3% com igrejas, 8,1% comunicam-se com ONGs e 4,5% se aproximam da imprensa comunitária.

Terceira etapa da pesquisa feita pelo CESeC entrevistou 2.002 policiais em 36 UPPs. Créditos Rogerio Santana/ GERJ


Em contrapartida, as atividades ligadas ao policiamento convencional aumentaram significativamente. De 2012 a 2014, o registro de tráfico de drogas subiu cerca de 30%, enquanto que o registro de porte ilegal de armas quintuplicou: de 6% em 2010, para 35,3% no último ano. Cerca de 29% dos policiais efetuam prisões e apreensões.

Portanto, é evidente a fragilidade no policiamento comunitário. “Isso nos faz questionar se elas se transformaram em uma polícia de ocupação em vez de uma polícia de proximidade”, questiona Ramos.

Outro ponto importante a ser ressaltado é a percepção de rejeição às UPPs. Em 2010, a parcela de agentes ouvidos que relataram otimismo dos moradores em relação ao programa era de 66,5%. Dois anos depois, esse número caiu para 43,7%. Na última apuração, o percentual chegou a 23,8%. Tal cenário é traduzido pela quantidade de policiais que dizem ter sofrido algum tipo de retaliação da comunidade: de 60% a 66% já foram ignorados, hostilizados ou atacados com algum objeto.

E a insatisfação com as UPPs não provém apenas das comunidades. As pesquisas também mostram uma queda na avaliação dos próprios profissionais desde o estabelecimento do programa.

Para 30% do total, hostilidade e repúdio dos moradores das favelas é o pior motivo de se trabalhar nas comunidades, 18,5% apontam as condições de trabalho ruins – salário, alimentação, transporte, assistência psicológica –  e, por último, 17,6% admitem insegurança e riscos de confronto como o principal fator.

Para a coordenadora Silvia Ramos, além de um treinamento mais eficaz e intensivo em policiamento de proximidade, são necessários canais permanentes de diálogo com a população, visto que um quarto dos policiais alegam sentir falta de formação prática e conhecimento das favelas.

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