Sociedade

Uma equipe inesquecível

O bicampeonato mundial de 1962 faz bodas de ouro, mas poucos se lembraram de celebrar os atletas daquela geração

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Por Afonsinho

O bicampeonato mundial de 1962 fez bodas de ouro. Poucas foram as comemorações para o significado daquela geração. Nossa falta crônica de educação dá nisso. O grupo de 1958-1962 ainda nos gerou mais uma filha dileta, a Copa de 1970. Depois disso, ficamos 24 anos a ver navios.

A Seleção que disputou o mundial do Chile era a de 1958 um pouco mais envelhecida, e bem pouco renovada. Além do mais, quase todos sabem do drama vivido com a perda de Pelé. Aquela imagem de um pássaro negro ferido deixando o campo envolto num cobertor apoiado por outro anjo negro, o massagista Mário Américo, também remanescente da conquista na Suécia. Fazia frio no Chile, depois também escureceu por lá. Na minha lembrança, o relicário que até hoje move os sonhos de menino são aqueles ídolos completamente vivos em minha memória.

Em 1962, eu ia de calção e descalço assistir aos treinos do XV de Jaú no improvisado estádio de madeira que pouco tempo depois, literalmente, “o vento levou”. Dois anos mais tarde, iniciava por ali minha trajetória no futebol. As lembranças ficaram fincadas como os cravos de couro pregados na sola das chuteiras. Cada clube tinha um sapateiro e a Seleção viajava com o seu (Assis) pelos campos do mundo. Chegava cedo e ficava perto da rouparia admirando aquele material (pé de ferro, martelo, os uniformes de treino e de jogo). Ao lado da lavanderia (um tanque e varais), Chiquinho, o roupeiro, ainda criava uns cavalos que negociava para sobreviver e manter a família.

Nos dias de jogos, via desfilarem pelo mesmo portãozinho os maiores craques do futebol dos grandes times de São Paulo (Chinesinho, Luizinho, Canhoteiro, Coutinho). O Santos viajava de táxi, uns carros pretos, antigos, que encostavam um pouco antes dos jogos. Aquilo é que foi escola. O primeiro mestre, Adãozinho, hexacampeão gaúcho pelo Colorado dos tempos de Tesourinha, foi para o Flamengo e daí para a Seleção Brasileira na fase pré-1958. Encerrou a carreira em Jaú e ficou vivendo por lá, ensinando sua arte com total dedicação aos garotos que iniciavam timidamente as primeiras jogadas. Um ídolo.

No primeiro jogo da Seleção sem Pelé a tensão foi ao máximo e a desesperança grassou. Os profissionais chegando para o treino, Adãozinho, com o rádio colado ao ouvido, concentrado, não falava nada. De repente, Amarildo com a bola pela esquerda, gol do Brasil. O som do rádio pelo ar parecia palpável. Adãozinho, em êxtase, vibrando com sua voz anasalada. Parecia tratar-se de um filho seu. “Isso… põe o garoto!” O melhor que encontrei no futebol até hoje foi o carinho liberto dos mais antigos pelos mais novos sem nenhuma diferença no tempo. Iguais. No placar do estádio chileno, os dizeres inesquecíveis: Porque nada tenemos, lo haremos todo.

Também devemos comemorar os 30 anos da Seleção de 1982. Impressionante a simplicidade e honestidade de Telê Santana. Reconhecia com toda a tranquilidade que, apesar do futebol maravilhoso, o Brasil não venceu e pronto. Hombridade. O sonho não acabou. Volta pelos pés alados do Romarinho. Fez lembrar a estreia de Viola, ainda júnior, com um gol que deu o título ao Corinthians. Imagine o que isso pode significar na cabeça de um garoto diante da idolatria de uma nação como essa. Passou de um salário ínfimo ao de titular. Pois ele até hoje dignifica sua profissão pelos campos do Brasil.

Segue o Campeonato Brasileiro, enquanto a janela continua escancarada. No sobe e desce das posições na tabela evidenciam-se duas ideias centrais: times com armadores e times com opção pela correria se dizendo “modernos”. Estarrecido com uma entrevista do responsável pelas equipes de base da Seleção Brasileira aprofundando essas ideias, inclusive de doutrinação da garotada mais nova. Confusão entre sagacidade e falsa malandragem.

Vasco e Fluminense mostram-se mais equilibrados com o brilho de seus veteranos. O clube da Cruz de Malta dá-se ao luxo de ter dois craques sensacionais. Bonito o espírito coletivo que o time transparece. A nau do almirante atravessando as dificuldades com amadurecimento raro nestes dias.

O mundo da bola não para. O Corinthians disputa a final da Libertadores. A Copa do Brasil já tem dono alviverde, seja quem for o clube vitorioso, Coritiba ou Palmeiras. A Eurocopa chega ao final, com destaque para o maestro Pirlo, um craque no auge. A Olimpíada crescendo para cima da gente. Vamos aproveitar e tentar repensar as estruturas do futebol. E então viver intensamente os jogos de Londres.

Por Afonsinho

O bicampeonato mundial de 1962 fez bodas de ouro. Poucas foram as comemorações para o significado daquela geração. Nossa falta crônica de educação dá nisso. O grupo de 1958-1962 ainda nos gerou mais uma filha dileta, a Copa de 1970. Depois disso, ficamos 24 anos a ver navios.

A Seleção que disputou o mundial do Chile era a de 1958 um pouco mais envelhecida, e bem pouco renovada. Além do mais, quase todos sabem do drama vivido com a perda de Pelé. Aquela imagem de um pássaro negro ferido deixando o campo envolto num cobertor apoiado por outro anjo negro, o massagista Mário Américo, também remanescente da conquista na Suécia. Fazia frio no Chile, depois também escureceu por lá. Na minha lembrança, o relicário que até hoje move os sonhos de menino são aqueles ídolos completamente vivos em minha memória.

Em 1962, eu ia de calção e descalço assistir aos treinos do XV de Jaú no improvisado estádio de madeira que pouco tempo depois, literalmente, “o vento levou”. Dois anos mais tarde, iniciava por ali minha trajetória no futebol. As lembranças ficaram fincadas como os cravos de couro pregados na sola das chuteiras. Cada clube tinha um sapateiro e a Seleção viajava com o seu (Assis) pelos campos do mundo. Chegava cedo e ficava perto da rouparia admirando aquele material (pé de ferro, martelo, os uniformes de treino e de jogo). Ao lado da lavanderia (um tanque e varais), Chiquinho, o roupeiro, ainda criava uns cavalos que negociava para sobreviver e manter a família.

Nos dias de jogos, via desfilarem pelo mesmo portãozinho os maiores craques do futebol dos grandes times de São Paulo (Chinesinho, Luizinho, Canhoteiro, Coutinho). O Santos viajava de táxi, uns carros pretos, antigos, que encostavam um pouco antes dos jogos. Aquilo é que foi escola. O primeiro mestre, Adãozinho, hexacampeão gaúcho pelo Colorado dos tempos de Tesourinha, foi para o Flamengo e daí para a Seleção Brasileira na fase pré-1958. Encerrou a carreira em Jaú e ficou vivendo por lá, ensinando sua arte com total dedicação aos garotos que iniciavam timidamente as primeiras jogadas. Um ídolo.

No primeiro jogo da Seleção sem Pelé a tensão foi ao máximo e a desesperança grassou. Os profissionais chegando para o treino, Adãozinho, com o rádio colado ao ouvido, concentrado, não falava nada. De repente, Amarildo com a bola pela esquerda, gol do Brasil. O som do rádio pelo ar parecia palpável. Adãozinho, em êxtase, vibrando com sua voz anasalada. Parecia tratar-se de um filho seu. “Isso… põe o garoto!” O melhor que encontrei no futebol até hoje foi o carinho liberto dos mais antigos pelos mais novos sem nenhuma diferença no tempo. Iguais. No placar do estádio chileno, os dizeres inesquecíveis: Porque nada tenemos, lo haremos todo.

Também devemos comemorar os 30 anos da Seleção de 1982. Impressionante a simplicidade e honestidade de Telê Santana. Reconhecia com toda a tranquilidade que, apesar do futebol maravilhoso, o Brasil não venceu e pronto. Hombridade. O sonho não acabou. Volta pelos pés alados do Romarinho. Fez lembrar a estreia de Viola, ainda júnior, com um gol que deu o título ao Corinthians. Imagine o que isso pode significar na cabeça de um garoto diante da idolatria de uma nação como essa. Passou de um salário ínfimo ao de titular. Pois ele até hoje dignifica sua profissão pelos campos do Brasil.

Segue o Campeonato Brasileiro, enquanto a janela continua escancarada. No sobe e desce das posições na tabela evidenciam-se duas ideias centrais: times com armadores e times com opção pela correria se dizendo “modernos”. Estarrecido com uma entrevista do responsável pelas equipes de base da Seleção Brasileira aprofundando essas ideias, inclusive de doutrinação da garotada mais nova. Confusão entre sagacidade e falsa malandragem.

Vasco e Fluminense mostram-se mais equilibrados com o brilho de seus veteranos. O clube da Cruz de Malta dá-se ao luxo de ter dois craques sensacionais. Bonito o espírito coletivo que o time transparece. A nau do almirante atravessando as dificuldades com amadurecimento raro nestes dias.

O mundo da bola não para. O Corinthians disputa a final da Libertadores. A Copa do Brasil já tem dono alviverde, seja quem for o clube vitorioso, Coritiba ou Palmeiras. A Eurocopa chega ao final, com destaque para o maestro Pirlo, um craque no auge. A Olimpíada crescendo para cima da gente. Vamos aproveitar e tentar repensar as estruturas do futebol. E então viver intensamente os jogos de Londres.

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