Sociedade

Um flagelo político

crack | A caótica intervenção na Cracolândia paulistana evidencia a falta de articulação entre as três esferas de governo e a equivocada ênfase na repressão ao usuário

O desastre da ação policial na Cracolândia expões a a chaga das metrópoles brasileiras. Foto: Olga Vlahou
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Por Rodrigo Martins e Willian Vieira

Com pouco mais de 1,5 metro de altura e ressequidos 40 quilos, olhar atento e um sorriso infantil que mistura medo e tristeza, Marinete Bispo não parece ter os 40 anos que leva na identidade nem os cinco filhos que deixou para trás para viver nas ruas da Cracolândia, no centro decaído de São Paulo. Na manhã de terça-feira 10, exatamente uma semana após a Polícia Militar ter invadido o complexo de cortiços e escorraçado os usuários que ali viviam, deflagrando uma caótica procissão nas ruas paulistanas que chamou a atenção do País para o flagelo há tanto conhecido, mas sempre esquecido, Marinete voltou ao “quarto” 159 em busca de pertences. Abriu a mochila repleta de pão velho e foi enfiando o que encontrava. Uma peça de roupa aqui, uma boneca ali, um tubo de pomada antibiótica para passar no braço ferido – ela tem infecções devido à Aids. “Me leva para uma clínica de recuperação?”, implora a mulher com voz de criança. Crescida em um orfanato, a viver na rua há 25 anos, 22 deles viciada em crack, Marinete fumou uma hora antes, diz, a um quilômetro e meio dali, sob o Minhocão. “A gente não tem paz. A polícia agora corre com a gente de um lado pro outro.” Até que chegam três policiais a gritar: “Vai embora, vai embora!” Marinete se desespera. “Eles vão bater na gente, tio!” E corre.

 

Como Marinete, vagam com ela pelas ruas da maior cidade da América do Sul outras centenas de usuários de crack que foram expulsos na terça-feira 3 do conjunto de prédios abandonados onde o tráfico e o consumo de crack ocorriam dia e noite, como numa vila do crack a ocupar um quarteirão inteiro entre a Rua Helvétia e as alamedas Dino Bueno e Cleveland. “Bem-vindo ao nosso lugar de família”, dizia uma das inscrições na parede. Ali, com despreparo, quase com desespero, teve início a ação das forças públicas, uma corrida pelos possíveis louros de resolver um problema que dura já duas décadas. Foi assim que o jogo de gato e rato passou a ser cena comum, com hordas de usuários, como zumbis envoltos em cobertores, à procura de droga e a correr da polícia. Como uma novela marcada por cenas de drama e violência, notícias e imagens surreais pipocaram na mídia, com a sociedade a acompanhar a sequência de ações desastradas do poder público na expectativa do próximo capítulo: que aconteceria com os craqueiros? Eles migrariam para bairros valorizados como Higienópolis? Seria o fim da Cracolândia?

Era só o começo da declarada guerra aos usuários de crack, sob a rubrica do Plano de Ação Integrada Centro Legal, dividido em três etapas. A primeira, adiantou-se o governo, visaria a ocupação policial, para “quebrar a estrutura logística” dos traficantes, com a PM autorizada a abordar e “dispersar” quem consumisse droga em público ou simplesmente se “aglomerasse”. Esse arrocho resolveria tudo, segundo explicou, de forma inconfortavelmente honesta, o coordenador de Políticas sobre Drogas, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, em nome da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania. “A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento”, afirmou. “Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento.” Em uma segunda etapa da cruzada, a ação ostensiva da PM obrigaria os usuários a buscarem ajuda. Na terceira, a meta seria “manter os bons resultados”.

*Leia matéria completa na Edição 680 de CartaCapital, já nas bancas.

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Com pouco mais de 1,5 metro de altura e ressequidos 40 quilos, olhar atento e um sorriso infantil que mistura medo e tristeza, Marinete Bispo não parece ter os 40 anos que leva na identidade nem os cinco filhos que deixou para trás para viver nas ruas da Cracolândia, no centro decaído de São Paulo. Na manhã de terça-feira 10, exatamente uma semana após a Polícia Militar ter invadido o complexo de cortiços e escorraçado os usuários que ali viviam, deflagrando uma caótica procissão nas ruas paulistanas que chamou a atenção do País para o flagelo há tanto conhecido, mas sempre esquecido, Marinete voltou ao “quarto” 159 em busca de pertences. Abriu a mochila repleta de pão velho e foi enfiando o que encontrava. Uma peça de roupa aqui, uma boneca ali, um tubo de pomada antibiótica para passar no braço ferido – ela tem infecções devido à Aids. “Me leva para uma clínica de recuperação?”, implora a mulher com voz de criança. Crescida em um orfanato, a viver na rua há 25 anos, 22 deles viciada em crack, Marinete fumou uma hora antes, diz, a um quilômetro e meio dali, sob o Minhocão. “A gente não tem paz. A polícia agora corre com a gente de um lado pro outro.” Até que chegam três policiais a gritar: “Vai embora, vai embora!” Marinete se desespera. “Eles vão bater na gente, tio!” E corre.

 

Como Marinete, vagam com ela pelas ruas da maior cidade da América do Sul outras centenas de usuários de crack que foram expulsos na terça-feira 3 do conjunto de prédios abandonados onde o tráfico e o consumo de crack ocorriam dia e noite, como numa vila do crack a ocupar um quarteirão inteiro entre a Rua Helvétia e as alamedas Dino Bueno e Cleveland. “Bem-vindo ao nosso lugar de família”, dizia uma das inscrições na parede. Ali, com despreparo, quase com desespero, teve início a ação das forças públicas, uma corrida pelos possíveis louros de resolver um problema que dura já duas décadas. Foi assim que o jogo de gato e rato passou a ser cena comum, com hordas de usuários, como zumbis envoltos em cobertores, à procura de droga e a correr da polícia. Como uma novela marcada por cenas de drama e violência, notícias e imagens surreais pipocaram na mídia, com a sociedade a acompanhar a sequência de ações desastradas do poder público na expectativa do próximo capítulo: que aconteceria com os craqueiros? Eles migrariam para bairros valorizados como Higienópolis? Seria o fim da Cracolândia?

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