Cultura

Um coração africano no centro de São Paulo

Migrantes de Camarões, Angola, Senegal e afins mudam a dinâmica da República, no Centro de São Paulo

(Foto: Heitor Salatiel)
Apoie Siga-nos no

Ao visitar a irmã em São Paulo, a camaronesa Melanito Biyouha percebeu uma oportunidade de negócio que não existia em Brasília, para onde migrara quatro anos antes. Repleta de migrantes africanos, a maior cidade brasileira não possuía um restaurante típico para atender essa freguesia.

Pouco tempo depois nascia o Biyou’z, disposto a divulgar a culinária e a cultura africanas aos paulistanos.

O restaurante serve pratos de diferentes países e tem a banana frita e o fufu (massa) como peças de resistência. “Fizemos um lugar para que brasileiros e africanos se sentissem em casa”, descreve Melanito, cercada por máscaras africanas que decoram o salão.

O Biyou’z é um dos poucos restaurantes africanos do Centro da cidade frequentado por brasileiros. Mas não o único. De cinco anos para cá, a República passou a concentrar um variado comércio de migrantes da África, de pequenos restaurantes a salões de beleza. “Foi crescendo a presença de africanos aqui. Abri o restaurante nessa região porque o aluguel era barato. Temos vontade de ir para um lugar maior, mas sabemos que não podemos sair dessa região. Hoje, faz sentido estar aqui”, diz a chef, enquanto arruma seu turbante laranjado.

A poucos metros do Biyou’z, na Galeria Presidente, popularmente chamada de Galeria do Reggae, mulheres negras fazem tranças e rastafáris e vendem perucas. A maioria dos migrantes veio da Nigéria, Senegal, Angola, República Democrática do Congo e Camarões. Outro reduto é a Galeria Sampa, na Avenida São João. Lá, salões de beleza e minimercados com produtos africanos dividem espaço com lojas de calçados, roupas, eletrônicos e bares. Entre os produtos vendidos estão amendoim, azeite de dendê, massa para fufu, inhame e artigos para cabelos crespos.

Leia também: O que os Racionais podem ensinar sobre consumo e finanças?

Em cinco anos, proliferaram os salões de beleza, os restaurantes e as lojas de roupa

Na Praça da República, às segundas-feiras, a partir das 7 da noite, acontece uma cerimônia mulçumana com tambores africanos, na qual homens dançam e cantam em nome de Alá. Por conta das vestimentas típicas, há quem confunda o ritual com o vodu. Trata-se, na verdade, do muridismo, vertente do islamismo praticada principalmente no Senegal.

O comércio florescente na região até seus points de diversão. As “baladas” mais frequentadas pelos migrantes são o Le Petit Village e o Jobest, restaurantes que funcionam como bares e reúnem os jovens, em especial nas noites de sexta e sábado. A Galeria Olido, por sua vez, passou a abrigar eventos e celebrações dos diferentes povos africanos.

É difícil quantificar a presença de africanos em São Paulo, uma vez que nem todos integram o cadastro de estrangeiros da Polícia Federal. De acordo com a PF, 292.288 estrangeiros mudaram-se para a capital paulista entre 2001 e 2017. A Secretaria Nacional de Justiça registrou 161 mil pedidos de refúgio no Brasil desde 2010. O ano com mais solicitações foi 2017, com 33.866, das quais ao menos 4.785 foram feitas por africanos.

Leia também: Manifesto pelo Dia Internacional da Mulher Negra

Melanito Biyouha cozinha para africanos e brasileiros

Na Rua Barão de Itapetininga, esquina com a Avenida Ipiranga, onde cerca de dez barracas vendem tecidos, máscaras, camisas e acessórios, a diversidade é grande. A senegalesa Mama Diamu Fallo, de 60 anos, comercializa roupas que ela mesma produz. “Quando cheguei queriam que eu trabalhasse com limpeza. Fiz isso por seis meses, mas depois conseguir ir para a área que eu gosto”, recorda.

Mama, como prefere ser chamada, tornou-se uma “celebridade”. Suas criações vestem artistas como Elza Soares e Liniker e a figurinista fez pequenas participações em videoclipes da cantora Luedji Luna. “Eu participo de feiras e eventos em diversas cidades. Há dez anos exponho na Feira Preta. Gosto de divulgar a cultura do meu país. E meu sonho é ter minha própria loja.”

Entre aqueles que conquistaram o objetivo de deixar as barracas e ter uma loja própria está o senegalês Cheick Seck, dono Coração d’África. Seck “camelou” por alguns anos na Barão de Itapetinga, antes de abrir endereços na Avenida Ipiranga e em Pinheiros, bairro da Zona Oeste da capital paulista. O Coração d’África vende vestidos, esculturas, camisas, tecidos e instrumentos do continente. “Foi difícil no começo. É muito burocrático e há um preconceito contra migrantes vindos da África. Mas eu percebo que havia um público que queria consumir esses produtos. A procura por eles só tem aumentado.”

O coração da África parece pulsar agora no Centro de São Paulo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar