Sociedade

Três anos após a chacina de Paraisópolis, familiares seguem cobrando justiça

Em dezembro de 2019, uma operação policial deixou 9 jovens mortos; até o momento, ninguém foi punido

As manifestações reuniram dezenas de pessoas para cobrar justiça pelos nove jovens mortos em Paraisópolis. Foto: Beatriz Drague Ramos/Brasil de Fato
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*Beatriz Drague Ramos

Há três anos, imagens de violência promovida pelo 16º Batalhão da Polícia Militar paulistana no baile da Dz7 na comunidade de Paraisópolis, região sul de São Paulo, inundaram as redes sociais. Naquele primeiro de dezembro de 2019, a Operação Pancadão, promovida recorrentemente pelas forças policiais, deixou nove jovens mortos. O caso ficou conhecido como Massacre de Paraisópolis.

“Eram nove jovens, nove pessoas inocentes. Tinha um pai, uma mulher que foi morta e esmagada junto com mais oito crianças nas vielas de Paraisópolis”, a fala angustiada do estudante de geografia da Universidade de São Paulo (USP) Danylo Amilcar é apenas uma entre as diversas vozes sufocadas pela dor da perda precoce de um ente querido que se fizeram ouvir na última quinta-feira (1) na Praça da Sé, no centro de São Paulo.

As denúncias foram proferidas durante um ato que cobrou justiça pelos nove jovens que tinham entre 14 e 23 anos assassinados pela Polícia Militar (PM) na ação. Durante a tarde de quinta-feira, uma missa na catedral foi conduzida pelo padre Júlio Lancellotti.

Danylo é irmão de Denys Henrique, que tinha apenas 16 anos quando foi morto. Assim como o filho mais velho, Maria Cristina Quirino, 43 anos, também lembrou de Denys. “Ele era muito alegre, extrovertido, gostava de andar de bicicleta, jogar bola, gostava de dançar, de cantar, sempre gostou de funk, de instrumento musical desde pequeno, foi só uma pequena passagem do que ele teve, do que ele teve oportunidade de viver, só 16 anos e não mais que isso.”

O caso, que continua sem um desfecho na justiça, também motivou as nove famílias, além de entidades e ativistas, a se reunirem na tarde deste sábado (4) em uma marcha da estação Capão Redondo do metrô até o Hospital Campo Limpo, local para onde os jovens foram levados já mortos, para cobrar justiça pelos assassinatos cometidos durante a gestão do ex-governador João Doria. A manifestação com a presença de diversos movimentos sociais seguiu pacífica e também cobrou a não retirada das câmeras nas fardas e viaturas dos policiais, promessa de campanha do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Sem condenações

A maioria dos jovens morreram asfixiados após o lançamento de spray de pimenta e bombas de gás pela PM, que também encurralou os jovens que participavam do evento. Um deles morreu por traumatismo.

Dennys Guilherme dos Santos Franco, de 16 anos, foi uma das vítimas daquela noite, a memória do adolescente foi levada no ato por sua mãe, Adriana Regina dos Santos, de 50 anos.

Muito abalada, ela disse que precisará fazer a exumação dos restos mortais do filho em breve. “Eu vou ter que fazer a exumação do corpo do meu filho, vou ter que tirar o que sobrou. Está acontecendo tudo isso na nossa vida e os policiais estão lá, acredito que agora eles estão montando árvore de natal comprando presente e a gente não tem mais isso. Eu tenho filho menor, tenho neto, minha casa não tem mais árvore de natal.”

Até o momento nenhum dos 13 policiais denunciados pelo Ministério Público Estadual foi condenado. Uma primeira audiência de instrução está agendada para julho de 2023. Nesse momento será decidido se o caso irá ser julgado por um júri popular. Além disso serão ouvidos sobreviventes, acusados e testemunhas, além de serem reunidas provas.

PM dispara em pessoas na favela de Paraisópolis (Foto: Reprodução)

Na Justiça Militar, a Corregedoria da PM apurou a conduta de 31 policiais militares que estavam na ação. O órgão concluiu que os agentes não causaram as mortes dos frequentadores do baile. Apesar disso, Adriana tem fé que o caso será devidamente julgado. “Eu acredito que a gente vai conseguir levar esse caso para júri popular sim. E acho que a justiça há de ser justa.”

Com o microfone nas mãos e lágrimas nos olhos, Fernanda Garcia, irmã de Dennys Guilherme dos Santos Franco, lembrou do caçula da família. “Eu cuidei dele desde criança, era meu amigo, era meu irmão, era meu companheiro. A gente está buscando por direito, não deveríamos estar aqui, não gostaríamos de estar aqui, o que a gente quer é justiça, nada além de justiça.”

“Resistir pelos que ainda têm vida”

As vítimas que saíram para se divertir e não puderam voltar para casa foram: Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos; Bruno Gabriel dos Santos, 22; Eduardo Silva, 21; Denys Henrique Quirino da Silva, 16; Mateus dos Santos Costa, 23; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16; Gustavo Cruz Xavier, 14; Gabriel Rogério de Moraes, 20; e Luara Victoria de Oliveira, 18.

Dona Alvina, avó de Marcos Paulo, que foi morto aos 16 anos e iria começar a trabalhar como menor aprendiz, lembra que o sonho do neto era morar em Santos para fazer aulas de futebol no clube que leva o nome da cidade. “Ele amava jogar bola, queria ser jogador. Não tem dinheiro no mundo que pague a vida de uma pessoa, não tem. Mas eu creio que a justiça é de ser feita para eles não fazerem o que eles fizeram com os nossos jovens com outros jovens, eles encurralaram, não deram socorro e não deixaram a ambulância vir.”

Bruno Gabriel dos Santos comemorava o aniversário de 22 anos quando morreu durante o massacre, lembra Vanini Cristiane Siqueira, irmã do jovem. “Então vem à minha mente, como ele estaria hoje com 25 anos? Ele que estava entrando na faculdade, já estaria quase se formando”, disse. “Quantos Brunos já não foram mortos? Quantos Gabrieis já não foram mortos?”, criticou se referindo aos inúmeros jovens mortos pelos braços do Estado.

Nesse sentido Maria Cristina ressaltou a necessidade de seguir resistindo. “Pretendo resistir até o fim da minha vida. Para mim a justiça nunca vai chegar, meu filho nunca vai voltar, mas a gente tem que olhar pros nossos filhos e saber que a polícia continua fazendo com os filhos de outras pessoas, então isso pra mim é o sinônimo da minha luta hoje, é resistir pelos que ainda tem vida.”

Na última quinta-feira (1), foi lançado o relatório “O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis. Relatório 1: Chacina Policial, Institucionalização do Caso e a Dinâmica dos Fatos Segundos as Evidências”, de autoria do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp, junto ao Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NECDH) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis. O estudo apresenta uma análise multidisciplinar sobre as mortes dos nove jovens e reconstrói a dinâmica dos fatos segundo as evidências.

O relatório conclui, entre outras coisas, que houve falhas na perícia, que não houve pisoteamento e que os policiais renunciaram à qualquer possibilidade de salvamento das vítimas ao negar-lhes os primeiros socorros adequados à situação em que elas se encontravam. Diz também que “a dinâmica de cerco de violência em torno ao público, ao criar ambiente de terror e risco à vida para a dispersão, produziu a compressão dos corpos uns contra os outros na multidão ao ponto de provocar, em 9 pessoas, um processo de asfixia mecânica por sufocação indireta.”

O que diz a polícia

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo para saber se os policiais denunciados continuam trabalhando na corporação e se a PM assume a culpa das mortes dos jovens. Além disso, foi questionado se as operações pancadão continuam ocorrendo nas periferias de São Paulo e, se sim, como são feitas. Nenhuma das perguntas foi respondida.

A pasta disse apenas que todas as circunstâncias relativas aos fatos foram investigadas por meio de inquéritos pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e pela PM e que ambos foram encaminhados à Justiça. Com relação aos policiais envolvidos, a SSP disse que eles respondem a processo criminal e aguardam a decisão da Justiça.

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