Dois líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foram mortos a tiros na noite do sábado 8, na cidade de Alhandra, interior da Paraíba, a 45 quilômetros da capital João Pessoa. Rodrigo Celestino e José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando, eram coordenadores do acampamento Dom José Maria Pires, erguido em uma fazenda ocupada desde julho de 2017.
De acordo com testemunhas ouvidas pela polícia, os criminosos estavam encapuzados e executaram os militantes durante o jantar. Na avaliação de João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do MST, o agressivo discurso de Jair Bolsonaro contra os sem terra contribuiu, de forma indireta, para o violento episódio.
“Eles fizeram uma campanha baseada no ódio e no estímulo ao uso de armas. Com a vitória, brotou um sentimento de impunidade naqueles latifundiários mais truculentos, que sempre acham que é possível resolver os problemas sociais à força”, lamenta Stédile, a prever tempos tenebrosos para os movimentos sociais e um duro revés para a reforma agrária nos próximos anos.
CartaCapital: Em depoimento recente a CartaCapital, o senhor se mostrou esperançoso em relação ao conflito agrário. Disse que, por mais que o discurso de Bolsonaro seja raivoso, não acreditava que a violência iria se propagar no campo. Continua com a mesma opinião?
João Pedro Stédile:Eu quis dizer que o governo federal não podia e não deveria incentivar a violência. Assim, acreditava que a violência não iria se propagar. Mas o discurso do ódio sempre estimula as forças mais reacionárias que existem no meio latifundiário. E daí eles podem agir por conta própria.
CC: As declarações de Bolsonaro, que incentiva a população a se armar e acusa o MST de ser uma “organização terrorista”, contribuíram para o assassinato dos dois dirigentes na Paraíba?
JPS:De forma indireta sim. Eles fizeram uma campanha baseada no ódio e no estímulo ao uso de armas. Com a vitória, brotou um sentimento de impunidade naqueles latifundiários mais truculentos, que sempre acham que é possível resolver os problemas sociais à força.
CC: Qual deve ser a postura do MST daqui por diante? Já vivemos um período de confronto entre o governo Bolsonaro e os movimentos sociais?
JPS: A postura do MST continuará a mesma. Vamos tomar nossos cuidados, agir com prudência e denunciar todas as tentativas de criminalizar os movimentos do campo ou da cidade. A sociedade não aceita a violência como método de governar, nem de resolver pretensamente os problemas sociais.
CC: A Procuradoria-Geral da República se manifestou solidária ao MST e condenou as mortes na Paraíba.
JPS: Foi uma atitude corajosa, a qual prezamos muito. Os procuradores devem ficar alertas, atentos, contra todo e qualquer ato de injustiça. A paz no campo só acontecerá à medida que os problemas sociais forem resolvidos, quando houver terra, trabalho, educação e moradia para todos.
CC: O senhor acredita que a violência que se volta hoje contra os sem terra atingirá outros movimentos sociais?
JPS: Todos os movimentos sociais devem permanecer atentos e aumentar ainda mais o trabalho de organização de suas bases. A verdadeira proteção em favor do povo só vira por meio da capacidade de organização e mobilização da sociedade. Aqueles que estiverem menos organizados, mais fragmentados e distribuídos em regiões de conflitos com os interesses do capital, poderão sofrer mais diretamente a violência.
Os movimentos sociais menos organizados ou mais fragmentados poderão sofrer mais diretamente a violência
CC: Qual é o futuro da reforma agrária no Brasil?
JPS: O programa de reforma agrária no Brasil não pode apenas desapropriar uma fazenda aqui e outra acolá. Precisa estar atrelado a um projeto nacional de desenvolvimento, voltado a reindustrialização do País, à distribuição de renda, à geração de emprego, ao desenvolvimento da agroindústria, e, acima de tudo, com uma visão de igualdade de direitos para todos.
Infelizmente, o novo governo não tem um projeto nacional e muito menos de desenvolvimento econômico e social. Será apenas um governo voltado aos interesses dos banqueiros, das empresas estrangeiras, e a favor da privatização de nossas estatais. Basta ler as declarações e os propósitos do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus chicagos boys.
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