Sociedade

SP é protótipo para legalizar ineficiência na gestão de medicamentos

Medicamentos poderão ser doados com prazo muito próximo ao fim de sua validade, o que poderá tornar inviável a efetividade da medida.

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Foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados proposta que autoriza empresas e comércios a doarem remédios com prazo próximo do fim de validade em troca de benefícios tributários, assim como vem ocorrendo em São Paulo. O texto aprovado é um substitutivo do relator deputado Dr. Sinval Malheiros (Pode-SP) ao Projeto de Lei 5691/16, do deputado Flavinho (PSB-SP).

No texto original do projeto de lei, o remédio só poderia ser doado se estivesse dentro de pelo menos 20% do prazo de validade. Na versão do texto substitutivo, bastará que os medicamentos a serem doados estejam dentro do tempo de validade na data da doação.

Com isso, os medicamentos poderão ser doados com prazo muito próximo ao fim de sua validade, o que poderá tornar inviável a efetividade da medida. Por dois motivos: ou porque não haverá tempo suficiente para a logística da distribuição e entrega à população, ou porque o paciente não conseguirá tomar o medicamento dentro do período de validade – se ele recebe uma caixa de remédio com 30 comprimidos que vencerão em dois dias, provavelmente não conseguirá se beneficiar da doação. E ainda ficará com a responsabilidade do descarte do material.

O relator do projeto de lei incluiu ainda no texto a permissão para doação diretamente a pessoas físicas. Pela proposta original, a doação seria só para pessoa jurídica sem fins lucrativos, com o repasse dos medicamentos aos seus pacientes que atendem, sob supervisão médica ou mediante receita médica. Essa nova autorização do texto substitutivo é preocupante, pois a doação direta à pessoa física pode facilitar a comercialização do medicamento doado ou o uso do produto sem prescrição médica.

Como contrapartida, os medicamentos doados gerarão créditos tributários aos doadores relativos a tributos federais. O deputado Malheiros retirou a limitação que obrigava o uso dos créditos somente no abatimento dos impostos na compra de novos medicamentos iguais aos doados. Outro benefício à empresa é que ela não terá que arcar com o custo do descarte de medicamentos vencidos.

O caso da Prefeitura de São Paulo é um exemplo emblemático do quão ineficiente e lesiva aos cofres públicos é essa proposta. A Secretaria Municipal de Saúde recebeu uma doação de medicamentos que, se fossem comprados diretamente, custariam R$ 35 milhões. No entanto, as empresas doadoras receberam isenção tributária no ICMS no valor de R$ 66 milhões – o saldo é um prejuízo de R$ 31 milhões para a Prefeitura – fora o custo pelo descarte de medicamentos, que foi transferido das empresas para a administração pública.

O que na teoria parece um ato bondoso, na prática é pernicioso, ao ampliar o gasto público ao mesmo tempo em que reduz o acesso a medicamentos da população. Uma renúncia tributária é um gasto público indireto. Assim, os gastos públicos federais, já bastante limitados pela lei do “teto dos gastos” são ainda mais pressionados com o governo fazendo uma transferência de recursos para o setor corporativo farmacêutico via créditos tributários. Isso em troca de uma medida extremamente ineficiente de “doação” de medicamentos com prazo de validade tão no limite que sequer dá tempo de serem dispensados e utilizados pela população brasileira que deles necessita.

O projeto de lei federal segue para a Comissão de Finanças e Tributação, sob relatoria do deputado Paulo Henrique Lustosa (PP-CE) e deve passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara.

* Grazielle David é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

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