Sociedade

Sou Michael Sam: jogador de futebol americano e gay

O defensor dos Missouri Tigers se revelou gay, mas, diferentemente de muitos astros do esporte, arriscou-se ao fazê-lo no início da carreira

Michael Sam celebra a vitória do Missouri Tigers sobre o Oklahoma State no Cotton Bowl, tradicional partida do futebol americano universitário, em 3 de janeiro
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Por Edward Helmore

Duas semanas atrás, Michael Sam, 23 anos, era virtualmente um desconhecido, exceto talvez para os torcedores do futebol americano universitário, que poderiam tê-lo reconhecido com defensor da equipe da Universidade do Missouri, os Tigers. Um bom jogador, sem dúvida, ou mesmo excepcional, e com probabilidade de entrar para um time profissional da Liga Nacional de Futebol (NFL na sigla em inglês) no final deste ano.

Mas na semana retrasada Sam adicionou seu nome à lista crescente de esportistas que “assumiram” sua homossexualidade: Gareth Thomas, ex-capitão da seleção de rúgbi de Gales; o meio-campo aposentado do Aston Villa Thomas Hitzlsperger; o jogador de críquete de Surrey Steven Davies; Orlando Cruz, o boxeador peso-leve de Porto Rico; e o astro do basquete Jason Collins.

Mas, ao contrário de muitos outros atletas, Sam decidiu se revelar no início de sua carreira, e em um esporte famoso pelas demonstrações de violência gladiatorial e machismo. “Sou Michael Sam, sou jogador de futebol e sou gay”, ele disse ao New York Times.

Seu anúncio provocou dias de análise. Enquanto as autoridades da NFL admitiam em particular que Sam está pisando território desconhecido, sua reação oficial era clara. “Admiramos a honestidade e a coragem de Michael Sam”, disse um comunicado. “Qualquer jogador com determinação e capacidade pode ter sucesso na NFL.”

Jogadores antigos e atuais manifestaram seu apoio, e a primeira-dama Michelle Obama descreveu Sam como uma inspiração. “Não poderíamos estar mais orgulhosos de sua coragem, dentro e fora de campo”, disse ela. A atriz Bette Midler acrescentou: “Michael Sam deve ser um dos mais corajosos jogadores vivos”.

O apoio das celebridades é uma coisa; mais difícil é avaliar como reagirão os times profissionais, que deverão recrutar jogadores das universidades nos próximos meses. Não é evidente que algum time queira contratar um jogador que deverá atrair um circo da mídia desde o início.

Mas em sua declaração cuidadosamente encenada, que incluiu um longo relato de sua criação difícil na cidade pobre de Hitchcock, no litoral do Texas, e foi reforçada pelo endosso de donos de times, Sam fez o suficiente para garantir que não será alvo de ostracismo – pelo menos não em curto prazo.

O momento escolhido também foi oportuno. Com os direitos gays fazendo sombra aos Jogos Olímpicos de Sochi e Casey Stoney, a capitã da equipe de futebol feminino da Grã-Bretanha, declarando-se gay na semana passada, o mundo dos esportes descobriu que não pode mais restringir o debate sobre a sexualidade de seus astros.

“Está na hora”, declarou à página de esportes do New York Times. “Chega de desmontar pedra a pedra o muro da discriminação, por jogadores que só anunciam que são gays depois que se aposentam das grandes ligas. Não há melhor momento que este para avançar e derrubar esse muro com uma escavadeira.”

Em uma entrevista no Times desta semana, Stoney concordou. Ela disse que sua parceira, Megan Harris, a havia convencido a assumir-se depois de ver o apoio dado ao mergulhador Tom Daley quando ele anunciou recentemente no YouTube que é gay.

“O futebol fala tantas línguas para pessoas diferentes, por isso se você puder romper preconceitos é assim que deve ser”, disse Stoney. “Você precisa chegar a um ponto em que não lhe importa o que pensa o mundo exterior. Trata-se do que você faz em campo quando está jogando.”

Ela diz que ficou surpresa com a reação positiva, com Nick Clegg [vice-primeiro-ministro da Grã-Bretanha] e Gary Lineker [ex-jogador e atual comentarista] elogiando sua decisão. Do mesmo modo, Sam teve o apoio de times e seus donos, incluindo os New York Giants e seus principais jogadores. O defesa Malcolm Smith, dos Seattle Seahawks, que venceu o Superbowl há três semanas, tuitou: “Não há espaço para preconceito nos esportes americanos”.

Mas é entre o vapor e o suor dos vestiários, com seus rituais de masculinidade, que a declaração de Sam causou mais ansiedade. Um treinador disse à Sports Illustrated que a sexualidade de Sam seria uma complicação. “Essa é a realidade. Não deveria ser, mas será.”

Outros rejeitaram essa ideia, considerando-a ridícula. “Seriamente, a ideia de tomar chuveiro juntos agora é um problema?”, perguntou o colunista de esportes da CBS Jason La Canfora. “Não há como ele possa fazer algo para ampliar o que poderia ser, para alguns, uma dinâmica de chuveiro potencialmente estranha no início, e é mais que condescendência sugerir alguma outra coisa.”

No entanto, treinadores e executivos da liga advertem que o valor de Sam como jogador poderá cair depois de seu anúncio. Eles apontam para Jason Collins, o jogador de basquete que não foi contratado desde que se assumiu no ano passado.

O ex-defesa dos New York Giants Terrell Thomas disse que a orientação de Sam será um teste em que talvez a NFL não consiga passar. “Sei que o ele fez foi muito corajoso”, disse ele. “Muita gente não o faria, mas ao mesmo tempo ninguém sabe realmente se a NFL está pronta para isso.” Outro jogador disse à Sports Illustrated: “Na próxima década ou duas, será aceitável, mas nesta altura ainda é um jogo de homens com H”.

Mas Sam não é estranho às dificuldades. Ele é o sétimo de oito filhos. Três de seus irmãos morreram – um afogado, um a tiros durante uma iniciação de gangue, outro desaparecido desde 1998 e supostamente morto. Dois outros estão na prisão. A certa altura, Sam viveu no banco de trás do carro de sua mãe.

“Foi muito difícil crescer naquele ambiente”, disse ele. “Minha família era famosa onde vivíamos. Todo mundo dizia: ‘Lá vão aqueles malditos Sam’. Eu sabia que minha família era boa. Eles não sabiam de nosso passado e a adversidade que tivemos de suportar. Eu queria ter sucesso e ser um farol de esperança para minha família. Soube desde pequeno que era atraído pelos rapazes. Eu queria descobrir quem eu era e garantir que sabia o que era confortável. Por isso não contei para ninguém quando jovem.”

Quando Sam contou a seu pai seu plano de assumir-se gay, este disse ao The New York Times que seu filho era “da velha escola… o tipo de sujeito um homem e uma mulher”. Agora ele afirma que foi citado erroneamente. “Ele fez uma grande declaração ao se revelar e deve poder jogar na NFL”, disse. “Quando ele entrar em campo e bater [em seus adversários], não vão pensar que é gay.”

Como testemunha de Jeová, sua mãe temia que o futebol interferisse com a religião, mas Sam diz que sua vocação foi o esporte. “Houve confrontos”, diz. “Mas eu precisava do esporte para garantir que não entraria em confusões, não faria nada ruim.”

Na escola, os treinadores reconheceram o atletismo de Sam. Se sua sexualidade não era pública, também não era escondida. Em sua última temporada como jogador colegial, ele foi nomeado defensor do ano na Conferência do Sudoeste. Seus companheiros, que sabiam que ele é gay, o nomearam seu jogador mais valioso. Sua atitude reflete uma tendência crescente nas faculdades americanas de desafiar os preconceitos sociais. Nos campi, uma nova geração busca modificar os modelos de gênero, recusando-se a se definir pela sexualidade.

Alguns acreditam que a abertura de Sam o beneficiará. Os olheiros geralmente realizam intensas investigações dos atletas. Mas como o passado de Sam é hoje totalmente público sua adequação para as ligas profissionais agora depende de seu desempenho.

Com 1,85 metro e 115 quilos, ele não é considerado grande o suficiente para jogar em sua atual posição em um time profissional. Mas, dada sua técnica e notável compostura, os olheiros esperam que Sam seja selecionado para uma equipe da NFL – na verdade, uma nova família.

“Muitas vezes falamos que um time é uma família”, disse Steve Tisch, co-proprietáro dos New York Giants. “Independentemente de onde você é, quais são suas crenças religiosas, sua orientação sexual, se você for bom o suficiente no time você faz parte da família.”

Depois de fazer a jogada mais corajosa de sua carreira, Sam deve esperar agora que o espírito de solidariedade dure até a próxima temporada.

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