Sobre embalagens

Se a embalagem tem cara de luxo, a mercadoria tem venda garantida. Assim também é com as pessoas

Apoie Siga-nos no

Há quem faça suas compras pelo encanto exercido pela embalagem. Pouco importa o que vem lá dentro. E os marqueteiros conhecem muito bem o ser humano, são os filósofos do mercado. Se a embalagem é vistosa, elegante e tem cara de luxo, a mercadoria tem a venda garantida. Principalmente se tem cara de luxo, pois compra-se muito mais um status do que uma mercadoria. Os semioticistas que o digam.

Assim é também com as pessoas. Longe de mim pensar que sejam mercadorias. O assunto é outro. Meu compadre Adamastor queixou-se de que hoje em dia não se pode mais evitar um ladrão apenas pela roupa.

Antigamente era assim? Minha memória pouco me diz sobre o assunto. Não entendi bem sua queixa até que me contasse a história de um amigo dele, que vendeu seu carro na sexta-feira depois das 4 da tarde e recebeu como pagamento um cheque.

Assinou todos os documentos no cartório por um belo cheque de 40 mil reais. Passou o sábado e o domingo planejando a reforma que deveria fazer em casa, telefonou para o pedreiro, fez o orçamento do material e tomou várias cervejas em prévia comemoração. Na segunda-feira, pouco antes do meio-dia, descobriu que a conta estava encerrada há cerca de três anos.

Mas como?, esbravejava o vendedor. Era um homem muito bem-vestido: o sapato brilhando, o terno com cheiro de novo, camisa de colarinho, uma gravata com jeito de italiana. Como é que pode? Parecia um lorde, um senador! Meu amigo, o Adamastor, contou-me a história e me perguntou: Como é que pode?

Lembrei-me de um caso relatado por Manuel Bandeira. No dia em que foi tomar posse de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, vestiu-se com o fardão, aquele fardão verde todo engalanado, como convém a seres imortais. E ele, que jamais em sua longa vida dirigiu um automóvel, tomou um táxi.


O motorista, sempre que possível, examinava-o pelo retrovisor, olhos de espanto. Como entender, no seu velho táxi, caindo de plebeu, uma figura daquelas? Parado em um farol da Avenida Brasil, virou-se para trás e, tirando respeitosamente o boné, perguntou:

– Sois rei?

Essa história, ouvi do doutor Edward Lopes, eminente semioticista de fama mundial, que mora aqui por perto à revelia da população com que se faz vizinho e que o ignora. Se andasse com frequência pelas ruas da cidade, vestido de terno e gravata, sapatos de cromo alemão, o povo já o teria feito advogado (eles não podem entrar no fórum vestidos de maneira diferente) ou senador.

O Adamastor saiu aqui de casa sem se despedir e foi direto a um alfaiate.

 

 

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.