Sociedade

Sírio agredido pela GCM tenta se reerguer com ajuda da internet

Em menos de 12 horas, Jaballah Al Ssabah consegue arrecadar pouco mais de 5 mil reais – um terço do que perdeu com o estabelecimento

Em telefonema, dois presos pela PF e denunciados pelo MP falam do peemedebista e apontam elo de ex-assessor presidencial com esquema

O presidente Michel Temer foi citado em um telefonema entre duas pessoas presas e denunciadas à Justiça como criminosas pela Operação Carne Fraca, que em março desbaratou um esquema de corrupção montado por frigoríficos e fiscais agropecuários. Na mesma conversa, é citado como tendo elo com o “esquema” o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que no momento da ligação era assessor especial de Temer no Palácio do Planalto.

O telefonema aconteceu em 19 de maio de 2016, exatamente uma semana após Temer assumir a Presidência. De um lado da linha estava Renato Menon, fiscal agropecuário atuante no Paraná. Do outro, Flavio Evers Cassou, funcionário da Seara, empresa e marca pertencentes à JBS. O teor da conversa consta do relatório final da Polícia Federal (PF), de 15 de abril, a analisar provas, indícios e depoimentos obtidos quando a Operação foi às ruas, em 17 de março.

Na ligação, Cassou e Menon falam em linguagem cifrada sobre o pagamento de propina do primeiro ao segundo. Propina in natura, no caso, com a entrega de carnes na casa de Menon. “Uns produtinhos”, “coxa… sobrecoxa”, “coxinha de asa”, comenta o agraciado.

A certa altura, a dupla muda o rumo da prosa e passa a comentar a situação de Daniel Gonçalves Filho, apontado pela Carne Fraca como “líder” do esquema no Paraná. É a partir daí que surgem os nomes de Temer e Rocha Loures.

Gonçalves Filho é fiscal agropecuário. Chefiou o ministério da Agricultura no Paraná por várias vezes até 12 de abril de 2016, quando foi demitido pela então ministra Kátia Abreu, senadora do PMDB de Tocantins. No dia em que Kátia deixou o cargo no embalo da chegada de Temer à Presidência, ele entrou com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para anular sua demissão. Conseguiu a redentora liminar do STJ cinco dias depois e voltou ao posto.

Era este o quadro no momento do telefonema entre Cassou e Menon. Na conversa, Menon pergunta sobre “pendengas”, provável referência à situação de Gonçalves Filho no comando do ministério da Agricultura no Paraná. Tem-se então o seguinte diálogo:

Cassou: Ah... tamo... tamo aguardando né ... aparentemente tá tudo sobre controle… segundo o Daniel mesmo tem me passado está tudo sobre controle... o dele já... já… já...

Menon: Conseguiram derrubar lá, né?

Cassou: Já... já... te mostrou isso ?

Menon: Não... o Chiquinho me falou aqui... que parece que derrubaram...

Cassou: Já... já foi... entrou com mandado de segurança e já derrubaram... então já tá apto a assumir...

Menon: Ahã...

Cassou: Depois tem aquela conversa que eles tiveram lá com o Temer, né?

Menon: Ahã…

O que este trecho da conversa sugere é que o assunto “chefia do ministério da Agricultura no Paraná” tinha sido levado ao presidente. Trata-se de um posto importantíssimo. Estima-se que cerca de 25% de todo o PIB agropecuário nacional esteja no Paraná, devido ao alto valor agregado gerado pelos inúmeros frigoríficos locais.

Além dessa importância financeira, havia ainda o imbróglio jurídico provocado pela liminar do STJ e a cobiça política pelo cargo, a justificar algum tipo de intervenção de Temer. O atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, não é nem do Paraná, nem do PMDB - é do PP do Mato Grosso.

Segundo a PF, há indícios de que parte da propina recolhida por fiscais agropecuários corruptos a partir de relações com empresas subornadoras era repartida com dois partidos: PMDB e PP.

Quando Kátia Abreu demitiu Gonçalves Filho, conta a própria senadora, a decisão foi levada à então presidenta Dilma Rousseff. O fiscal respondia a um processo disciplinar interno e acabou condenado. A dança de cadeiras no Palácio do Planalto e na Agricultura pós-impeachment devolveu-o ao antigo cargo, onde ele ficou até julho de 2016.

O telefonema entre Cassou e Menon prossegue:

Cassou: O Rocha Loures é esquema do Daniel, né?

Menon: Que é o braço direito lá do Michel Temer, né?

Cassou: Isso... é isso... exatamente...

No dia daquela conversa, 19 de maio de 2016, o empresário Rocha Loures era assessor especial de Temer. Estava com Temer desde quando este era ainda apenas vice-presidente. Hoje é deputado federal. Assumiu a vaga, na condição de suplente, quando o conterrâneo deputado Osmar Serraglio, também do PMDB, tornou-se ministro da Justiça, em 7 de março deste ano.

Serraglio é apontado por Kátia Abreu como padrinho da indicação de Gonçalves Filho, em setembro de 2015, para comandar o ministério da Agricultura no Paraná. Seu nome já tinha aparecido na Carne Fraca.

Um grampo com autorização judicial pegou um telefonema de Gonçalves Filho e Serraglio no início de 2016, na qual o deputado chama o fiscal de “grande chefe” e eles tratam da possibilidade de um frigorífico, o Larissa, ser fechado no Paraná. Aparentemente, Serraglio, que na época era apenas deputado, acionara Gonçalves Filho, a pedido do dono do frigorífico, Paulo Sposito, outra personagem da Carne Fraca, para impedir o fechamento da unidade.

Logo após falarem do “braço direito de Michel Temer”, Menon e Cassou tratam de Serraglio:

Cassou: O Rocha Loures é esquema do Daniel, né?

Menon: Que é o braço direito lá do Michel Temer, né?

Cassou: Isso... é isso... exatamente…

Menon: E é ligado com o Daniel?

Cassou: Ligado com o deputado do Daniel, o carequinha lá...

Menon: O Osmar Serraglio...

Cassou: Serraglio..

A dupla do telefonema a citar Temer e Rocha Loures foi denunciada pelo Ministério Público Federal à Justiça por vários crimes. Menon é acusado de participar de uma organização criminosa (quadrilha), de corrupção passiva, concussão (exigência de vantagem indevida por parte de servidor público para si ou para terceiros) e violação do sigilo funcional. Já Cassou é acusado de organização criminosa e de corrupção ativa.

Gonçalves Filho, o "grande chefe" na definição do ministro Osmar Serraglio, foi denunciado por organização criminosa, advocacia administrativa, corrupção passiva, concussão e prevaricação (atitude de ignorar a lei por parte de servidor público). Paulo Sposito, o que pediu a Serraglio ajuda para seu frigorífico não fechar, foi denunciado por corrupção, adulteração de alimentos e uso de substâncias proibidas em alimentos.

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O sírio Jaballah Al Ssabah economizou por quatro anos para abrir um restaurante em São Paulo. Em maio, com 40 mil reais no bolso, realizou o sonho. Pagou dois alugueis antecipados, no valor de 7 mil reais, por um pequeno espaço na Liberdade, no centro da capital paulista, e reformou todo o ambiente durante um mês e meio.

No dia da inauguração, em 26 de junho, funcionários da Prefeitura apareceram no local com um auto de infração. “Estava escrito em letras minúsculas, ele mal fala português. Mas achou que fosse algo corriqueiro, um procedimento da Prefeitura, justamente por ser no dia da inauguração”, explica Marina Tambelle, advogada de Jaballah.

Não era nada corriqueiro. Era um aviso sobre a irregularidade do imóvel, que pertencia à Prefeitura. Em 15 dias ele deveria sair de lá. Na quinta-feira 12, a Guarda Municipal Civil apareceu para cumprir a ordem de retirá-lo de lá. Jaballah perdeu uma estufa de esfiha, mas conseguiu adiar o despejo. “Eu negociei com a subprefeitura, pedi pelo menos uma semana para encontrar outro lugar”, relata Tambelle.

Eles não esperaram. Na segunda-feira 16 apareceram para retirar Jaballah e todos seus equipamentos do imóvel. O sírio perdeu alimentos perecíveis e todo o investimento. Mas a truculência da GCM não passou em branco – um vídeo com as cenas, gravadas por Tambelle, viralizou nas redes sociais.

  

A comoção nas redes quer reverter a história do sírio que fugiu de um país em guerra e escolheu o Brasil para recomeçar a vida. Tambelle lançou hoje uma campanha no Vakinha para ajudá-lo a recuperar o dinheiro investido no restaurante. Até agora, um terço já havia sido levantado com financiamento coletivo.

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Outro lado
Em nota no Facebook, a prefeitura regional da Sé explicou que o espaço ocupado por Jaballah era um antigo banheiro público, abandonado há três anos pelo órgão. No dia 26 de junho, um agente notificou o sírio sobre a situação irregular do imóvel e deu a ele 15 dias para se retirar. “A medida foi necessária após constatação de não cumprimento do prazo de para desocupação do imóvel”, diz a nota.

Ainda segundo a declaração do órgão, todos os objetos retirados do restaurante de Jaballah estão lacrados e guardados no depósito da Prefeitura Regional. Para recuperá-los, o sírio precisa abrir um processo com a solicitação.

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