Sociedade

Senado rejeita legalização do aborto e Argentina volta à estaca zero

Avanço conquistado na Câmara foi derrubado na madrugada desta quinta-feira. Projeto não poderá mais ser analisado neste ano. Mobilização popular marcou votação

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O Senado da Argentina rejeitou na madrugada desta quinta-feira 9 o projeto de lei que legalizaria o aborto no país. Após uma sessão de cerca de 16 horas, ele foi recusado no Senado por 38 votos contra, 31 a favor e duas abstenções.

Com a negativa no Senado, o projeto não poderá mais ser debatido neste ano legislativo, o que devolve a discussão ao ponto inicial. Ainda assim, legisladores destacaram que esta foi a primeira vez que a iniciativa de legalizar o aborto chegou tão longe. Desde o fim da Ditadura Militar no país, em 1983, diversos projetos sobre aborto foram apresentados no Congresso argentino, mas esse foi o primeiro a ser votado.

Pela proposta aprovada pela Câmara há cerca de dois meses, mas agora rejeitada no Senado, seria possível descriminalizar o aborto até a 14º semana de gestação e estender o prazo em casos de estupro, risco de vida para a mãe e malformação fetal.

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados após uma sessão apertada e histórica. Depois de 22 horas de discussão dentro do parlamento, o projeto foi aprovado por 129 votos a favor e 125 contra, e intensamente comemorado pelas mulheres que aderiram à campanha pela legalização.

A interrupção voluntária da gravidez é crime na Argentina, a não ser em casos de estupro e que ofereçam risco à vida da mãe. Nos demais casos, a prática é penalizada com até quatro anos de prisão para a mulher e para o médico.

O jornal argentino La Nación publicou o perfil dos senadores argentinos. A maioria tem entre 41 e 60 anos. Desses, 20 são contra, 17 a favor e apenas um estava com seu voto indefinido antes de sessão. Aqueles com mais de 61 anos também estavam mais inclinados “não” antes da votação. Dos quatro senadores com menos de 40 anos, três foram a favor do projeto.

Das 30 senadoras mulheres, 14 eram a favor da legalização, 14 contra, uma estava indecisa, e outra se absteve da discussão. Dos 42 senadores homens, 24 votaram contra o aborto, 17 a favor e um estava indefinido.

Tramitação

A discussão no Senado sobre a lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVA) começou pela manhã e se estendeu até a madrugada. À meia-noite de terça-feira 7, os arredores da praça do Congresso em Buenos Aires já estavam tomados por manifestantes pró-aborto legal. Essa é a primeira vez que as argentinas conseguem levar até o Senado um projeto que pretende encarar o aborto pela perspectiva da saúde pública.

Como aconteceu durante a votação na Câmara dos Deputados, a praça foi dividida em dois para evitar o confronto com manifestantes contrários à aprovação da lei que, em número menor, também marcaram sua presença.

Uma longa jornada de debate e votação já era esperada, apesar das notícias de uma manobra do próprio Senado para adiantar a discussão e assim evitar a concentração popular nas ruas. Na votação da Câmara dos Deputados quase 1 milhão de manifestantes se juntaram pró-aborto legal.

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Na Argentina, os movimentos feministas tem grande capacidade de articulação e mobilização, e conseguiram empurrar por meses o projeto agora rejeitado. A igreja católica é a principal opositora desse movimento, e responsável por articular junto dos senadores a campanha contrária. A atuação religiosa foi tímida nas mobilizações que antecederam a votação na Câmara, mas uma parcela expressiva e influente dos católicos reagiram ao debate no Senado.

Mesmo com o prognóstico desfavorável à aprovação do projeto, milhares marcharam pelas ruas de Buenos Aires reivindicando a autonomia das mulheres em relação aos direitos reprodutivos.                                                                                                                                                                     Ale Petra

paulista.jpg Apoio às vizinhas: na Av. Paulista brasileiras se juntaram para apoiar as argentinas e pedir a legalização do aborto no Brasil

Segundo a imprensa argentina, os lenços verdes símbolo da campanha pela legalização, conhecido como puñelo verde, foram proibidos dentro do Senado.

A campanha das mulheres argentinas trabalhou a discussão em três eixos centrais: educação sexual para descobrir, contraceptivos pata desfrutar e aborto legal para decidir. Os movimentos a favor da legalização enfatizam a prioridade do assunto dentro da agenda de saúde pública do país.

O governo argentino prevê a realização de 350 mil abortos por ano, com impacto econômico de 950 milhões de reais, caso a lei seja aprovada. Atualmente, os abortos clandestinos, com suas consequentes complicações, geram gastos de 560 milhões de reais.

Organizações não governamentais estimam que cerca de 500 mil abortos clandestinos sejam realizados anualmente na Argentina. Cerca de 60 mil resultam em complicações e hospitalizações.

Na América Latina apenas Uruguai e Cuba encaram o aborto como uma questão de saúde pública, e oferecem às mulheres a interrupção voluntária em ambientes seguros. No Brasil o aborto é crime, e a mulher penalizada de um a três anos de detenção.

A penalização faz com que milhares de mulheres que têm complicações após a prática – feita fora dos padrões de segurança – não recorram aos hospitais. O que pode levar a problemas de saúde mais graves até a morte.

O mapa elaborado pelo Centro de Direitos Reprodutivos mostra como cada país legisla sobre o aborto. Em vermelho estão os países que proíbem totalmente ou liberam quando e gestação coloca em risco a vida da mulher. Em amarelo são os países com leis específicas quando o aborto significa a preservação da saúde das mulheres. O amarelo claro são os países onde o aborto é liberado por fatores socioeconômicos, por fim os países em verde são aqueles onde o aborto é legal e não há restrições quanto ao motivo.

Movimentos de mulheres de mais de 30 países se articularam em suas regiões em apoio às argentinas na noite de ontem. Em São Paulo, elas manifestaram primeiro em frente ao Banco de La Nación Argentina, na avenida Paulista, e depois marcharam até a praça Roosevelt com os puñelos verdes atados ao pescoço.

*Colaborou Fernanda Paixão/Coletivo Passarinho

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