Sociedade

Sem soluções efetivas para a Cracolândia, o governo de São Paulo ainda aposta em repressão

Entre janeiro e maio de 2022, a Prefeitura de São Paulo registrou 27 internações forçadas de dependentes químicos

Dependentes químicos deixam Praça Princesa Isabel e voltam para a Avenida Cleveland e Rua Helvétia - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Entre janeiro e maio deste ano, a Prefeitura de São Paulo registrou 27 internações involuntárias na Cracolândia, alvo de recentes (e violentas) operações de desmonte. A abordagem não é novidade, mas cresceu desde a sanção de uma lei pelo uma presidente Jair Bolsonaro, em 2019.  

Antes, internações involuntárias (ou forçadas), ocorriam somente a pedido de familiares. Com a nova lei, guardas municipais e policiais militares também ganharam autonomia para solicitar internações.

Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e segurança pública e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, destaca que essas internações, sem programas sociais de saúde e suporte aos moradores, se tornam uma “operação de guerra contra pobres e doentes”

“A internação involuntária pode ser uma das ações, mas não a única, nem a principal”, afirmou Alves em contato com CartaCapital. “O feirão das drogas precisa ser substituído por um feirão de oferta de programas e serviços de atendimento de saúde e inclusão social.”

Em maio, Raimundo Nonato Fonseca Junior, de 32 anos, morreu com um tiro no tórax durante uma operação na região. Na semana seguinte, outro homem morreu esfaqueado no mesmo local, no centro de São Paulo. Segundo a Polícia, o motivo seria uma briga entre pessoas em situação de rua.

A repressão vai além. No fim de maio, César Victor Baptista, de 56 anos, foi preso na região, em uma abordagem que chamou a atenção. Um vídeo registra o momento da prisão e mostra agentes da Guarda Civil Metropolitana pressionando o pescoço do homem. Um dia depois, a Justiça de São Paulo concedeu liberdade provisória a Baptista por falta de provas. 

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana, responsável pela GCM, afastou do serviço operacional três guardas que atuaram na abordagem.

Esconder ou resolver?

Os casos aconteceram após a Operação Sufoco, do governador paulista Rodrigo Garcia (PSDB), e de outras ações de dispersão.

Daniel Mello, jornalista e militante do movimento A Craco Resiste, enxerga na postura do Estado um pretexto para não enfrentar as questões de fundo. “É só uma satisfação a essa parcela higienista da extrema-direita da sociedade, né? Não tem nenhuma resolução de problema, não tem um projeto, um programa. É só você temporariamente tirar essas pessoas da rua e fingir que está fazendo alguma coisa.”

O movimento atua desde dezembro de 2016 contra a violência policial na Cracolândia. Os integrantes gravaram durante três meses a ação da GCM na região, por exemplo. O resultado foi o dossiê Não é confronto, é massacre.

Para o advogado Ariel de Castro, trata-se de “uma ação de marketing da Prefeitura e do estado com fins políticos e eleitorais para, depois de tantos anos de omissão e corrupção policial, simularem que estão atuando para resolver o problema às vésperas das eleições”. 

Uma situação parecida aconteceu em 2017, sob a batuta de João Doria (PSDB). Na ocasião, uma megaoperação policial expulsou usuários de crack e traficantes da Alameda Dino Bueno. As medidas improvisadas, entretanto, não foram suficientes para resolver o problema. 

“O consumo abusivo de substâncias, principalmente na Cracolândia, está muito associado a questões sociais, como a falta de moradia”, pontua Daniel de Mello. “Tem muita gente egressa do sistema prisional que não tem como se inserir no mercado de trabalho.”

Ao mesmo tempo em que se avolumam as operações, recuam e até se encerram os programas sociais de apoio aos dependentes químicos.

“O enfoque tem sido na repressão, o que já agravou a situação em outros momentos”, critica Ariel de Castro.  “Enquanto as iniciativas sociais que já existiram lá, como o Complexo Prates e o Programa Braços Abertos, foram desativadas.”

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