Sociedade

Segurança na Copa e lei penal temporária

Há no ar uma histeria quanto à pratica de atos de violência pública, mas isso não deve servir para criminalizar movimentos sociais legítimos

Integrantes do grupo Black Bloc concentrados em frente ao prédio do Tribunal de Justiça protestam contra a prisão de três administradores da página do grupo na internet, em setembro
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Segundo se noticiou nos principais veículos de notícias, o governo enviará ao Congresso um projeto de lei que vai tornar mais severas as sanções penais aplicadas a condutas criminosas praticadas durante passeatas.

Além dos abusos recentemente verificados por black blocs e afins, parece preocupar o governo a ocorrência de atos de violência por grupos locais e estrangeiros durante a Copa do Mundo e Olimpíada.

O projeto serviria, aparentemente, como alternativa à chamada lei anti-terrorista, que prevê dispositivos muito mais abertos semanticamente, penas mais graves e uma possibilidade maior de uso indevido pelo Estado no futuro.

Setores progressistas da sociedade civil, contudo, têm demonstrado preocupação e oposição a este tipo de iniciativa. Dizem que este tipo de legislação penal poderá, no futuro, ser usada como instrumento para criminalização de movimentos sociais legítimos.

A situação é complexa. Em alguma medida tanto os setores críticos à proposta têm, a priori, razão em suas preocupações. É ingenuidade crer que os grandes eventos não possuem potencial de atrair a ação de grupos locais e estrangeiros mais radicais.

Tanto a atenção da mídia como a presença de autoridades estrangeiras – só na estreia da Copa está prevista a presença de dezenas de chefes de Estado de vários países – favorecem a ação violenta destes grupos. Nessa estrita medida, são pertinentes as preocupações do governo e das forças de segurança.

Há que se considerar, no entanto, que há no ar uma histeria social quanto à pratica de atos de violência pública, o que pode levar à aprovação de leis repressoras, como a famigerada lei anti- terrorismo, um atraso de décadas de conquistas democráticas.

Por outo lado, contudo, razão não falta aos setores críticos à iniciativa.

Ao contrario de outros países do mundo, onde vigoram leis de conteúdo semelhante, no Brasil não ha tradição de violência pública como tática de ação politica, salvo quando praticada pelo próprio Estado. Quem tem história de terrorismo em seus atos é o Estado brasileiro. Também é preciso considerar que tais países têm forte, antiga e arraigada tradição democrática e de reconhecimento de direitos e liberdades públicas, o que ainda não existe por aqui.

Inegavelmente há sempre uma tendência de o Estado a criminalizar a oposição. Em qualquer país ou sistema. A própria democracia, com voto universal e direitos sociais reconhecidos, foi construída por confrontos entre movimentos sociais e o Estado no primeiro mundo e aqui. No Brasil é uma constante histórica a criminalização desses movimentos das reivindicações por ampliação de direitos.

É absolutamente legitimo, portanto, o receio de que no futuro, na ressaca dos black blocs e de eventuais violências públicas cometidas nos grandes eventos, a legislação em pauta seja usada para criminalizar movimentos sociais legítimos.

Face à complexidade da conjuntura, não me parece adequado aos setores democráticos de nossa sociedade pura e simplesmente se acomodarem na critica sem oferecimento de alternativas. Creio ser possível, sim, pensar em uma alternativa de projeto de lei que contemple as principais preocupações de governo, de um lado, e de setores progressistas, de outro.

É necessário, portanto, pensar em um projeto com as seguintes características:

1 – Que não se considere o simples uso de máscara como crime, mas apenas quando ela for usada com a clara intenção de esconder a autoria de um delito;

2- Que contenha termos claros e precisos na descrição de condutas, evitando ao máximo a discrição judicial ou policial na sua interpretação;

3 – Que também puna, com mais gravidade, o abuso de poder policial cometido contra o livre exercício do direito a manifestação;

4 – Que seja uma lei penal temporária, com vigência limitada no tempo dos grandes eventos, a exemplo das disposições penais que já constam da chamada lei da FIFA, ou seja Lei 12.663 de 5 de junho de 2012 em seu artigo 36;

 

A limitação da vigência da lei no tempo não pode, por si só, ser tida como mecanismo de exceção no sentido que a expressão tem na Teoria do Estado. Sinteticamente. todo ato de exceção, antes de tudo, visa a suspensão ou extinção de direitos. A limitação no tempo de vigência de lei penal diminui a extensão das sanções restritivas de direito.

Como já estão vigente no pais dispositivos penais temporários aplicáveis à Copa do Mundo, não há nada de novo na proposta neste aspecto.

Tal limitação temporal contemplaria a preocupação de aplicação indevida da lei no futuro sem descurar deste elemento de segurança social no correr dos grandes eventos.

Esses elementos de proposta carecem do devido debate pela sociedade e das ponderações técnicas e constitucionais da comunidade jurídica, mas se prestam como contribuição ao debate.

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