Sociedade

São Paulo inaugura primeiro centro de referência para imigrantes

Iniciativa é complementar ao abrigo já existente desde agosto. Objetivo é dar orientação jurídica, apoio psicológico e qualificação profissional para estrangeiros

São Paulo inaugura primeiro centro de referência para imigrantes
São Paulo inaugura primeiro centro de referência para imigrantes
Prédio na Bela Vista, região central, foi reformado na Bela Vista e dará prioridade aos imigrantes mais vulneráveis e recém-chegados ao país
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Luison fala francês, inglês, português, árabe e lingala. O congolês, de apenas 19 anos, vai usar seu conhecimento em línguas – e sua experiência como refugiado no Brasil – para ajudar outros imigrantes, no novo centro de referência da prefeitura de São Paulo, inaugurado nesta terça-feira 11.

O centro, incluindo o espaço de acolhida – este já em funcionamento desde agosto – é o primeiro do tipo no país. Recém-aberto, o local já opera com sua capacidade máxima: 110 pessoas.

E os imigrantes, especialmente africanos e haitianos, não param de chegar. Somente do Acre, em média um ônibus por semana desembarca em São Paulo, segundo o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili.

A coordenadora de Política Externa da ONG Conectas, Camila Asano, alerta que o fluxo deve continuar intenso. Para ela, o número de vagas no novo centro é insuficiente para a demanda. “A prefeitura precisa já pensar em outros espaços”, diz.

A prefeitura admite que não há novos abrigos previstos. “A ideia não é abrir vários centros para imigrantes, mas fortalecer o trabalho deste, para que a rotatividade seja cada vez maior”, defende a secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer.

Apesar da preocupação com o número de vagas, Azano elogia a iniciativa pioneira, que deve “servir de inspiração” para outras cidades. Até então, os abrigos públicos voltados para imigrantes eram provisórios, feitos apenas para lidar com situações emergenciais, afirma Asano.

É o caso de Brasileia, no Acre. Ali, próximo à fronteira com Bolívia e Peru, centenas de haitianos viviam em condições degradantes, com esgoto a céu aberto, em um abrigo público. O local foi fechado em abril deste ano, e a maioria dos imigrantes foi enviada para o sul e o sudeste em ônibus, gerando uma crise entre os estados.

Centenas chegaram a São Paulo e ficaram alojados em uma pequena igreja no centro da cidade. Posteriormente, foram levados também para o Abrigo Emergencial do Glicério, por onde passaram mais de 2.400 pessoas em quatro meses. O espaço foi fechado logo após a abertura do novo centro de acolhida, em agosto.

O intenso fluxo migratório no período, entretanto, evidenciou o despreparo da cidade para receber os imigrantes e a necessidade de um abrigo permanente.

De acordo com Sottili, passada a crise, o fluxo de haitianos já está mais organizado. “Nós promovemos, junto com o governo gederal e do Acre, uma discussão sobre isso. Nós pedimos que os haitianos já viessem de lá com a documentação preparada. E agora a maioria vem com a carteira de trabalho”, explica.

Orgulhoso do seu novo emprego, Luison circula feliz pelo centro de acolhida. O congolês mora na Mooca, bairro típico de imigrantes em São Paulo, e diz gostar muito do Brasil. “Quero estudar medicina e comércio exterior”, afirma, animado com a nova vida.

Luison vai atender a pessoas com histórias similares a dele – o jovem teve que fugir do Congo, após os pais serem assassinados por opositores políticos.

A conterrânea Gode-Frida-Mbombo Biduaya, de 58 anos, sequer consegue descrever o que se passou em sua terra natal. “É complicado”, diz ela, em seu português hesitante, deixando claro que lhe custa muito falar do assunto.

Ela explica apenas que o marido, perseguido político, não pôde acompanhá-la na viagem ao Brasil. Biduaya teve somente a companhia da sobrinha. As duas estão vivendo no centro de acolhimento há dois meses e procuram emprego.

Não há um limite de tempo para a estadia no abrigo. Mas quem trabalha com imigrantes se apressa em dizer que eles buscam sair o mais rápido possível.

“Muita gente acha que eles vão ficar para sempre no local. Isso é um absurdo. Ninguém vai para outro país para fazer a sua vida em um abrigo público”, critica Azano.

No centro, os coordenadores se orgulham da rotatividade. “Em dois meses, 68 pessoas acessaram o serviço e já foram embora. É um público muito diferenciado, que rapidamente circula”, explica Frei José Francisco, diretor do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), entidade conveniada da prefeitura e responsável pela gestão do centro.

“Elas vêm sem estrutura, porque chegaram em um país novo, mas com muita bagagem individual. São pessoas com curso técnico, formação profissional. Com o devido suporte, não correm o risco de cair em situação de rua e podem logo andar com as próprias pernas”, argumenta a secretária municipal Luciana Temer.

Um diferencial do centro em relação a outros abrigos é a oferta de serviços especializados para o imigrante. No local, será possível obter orientação jurídica, apoio psicológico, aulas de português e oficinas de qualificação profissional, bem como auxílio na emissão de documentos e na busca por trabalho.

A oferta de serviços visa “promover o acesso a direitos, bem como a inclusão social, cultural e econômica dos imigrantes”, segundo o coordenador de Política para Migrantes da prefeitura, Paulo Illes.

Na inauguração, o prefeito Fernando Haddad (PT) disse que a cidade foi “forjada por imigrantes” e a sua “força vem da diversidade cultural”.

“São Paulo tem muito a oferecer aos imigrantes, porque os imigrantes sempre ofereceram muito a São Paulo”, disse.

O espaço do abrigo também impressiona: uma casa antiga, de três andares, em tons de amarelo e laranja. O pátio interno é coberto por uma claraboia de vidro, que permite a entrada de luz natural.

“A fachada era tombada e estava muito deteriorada. Nós restauramos tudo e colocamos bastante cor, para ficar com a cara dos imigrantes, que são alegres, especialmente os africanos”, conta Frei José.

Os diversos quartos, com beliches, são aconchegantes, com roupa de cama nova e móveis bem cuidados. Os banheiros coletivos são amplos e limpos. O centro também conta com espaços de convivência, como o refeitório, sala de televisão, além das salas de atendimento.

O Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes da Prefeitura de São Paulo (CRAI-SP) funciona das 8h às 17h e está localizado na Rua Japurá, 234, no bairro da Bela Vista, região central da cidade.

  • Autoria Marina Estarque, de São Paulo

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