Sociedade

Rita Lee e os novos jeitos de morrer

O megafone que as plataformas digitais colocou nas mãos de cada um de nós deu um novo sentido à despedida

Rainha do rock brasileiro, Rita Lee morreu em São Paulo, aos 75 anos. Foto: Marco Senche/Wikimedia Commons
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Em sua autobiografia publicada em 2016, Rita Lee imaginou a própria morte. Em meio às reações que esperava de fãs, dos jornais e de políticos, escreveu que “nas redes sociais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk’”.

A internet e as plataformas digitais mudaram muito da comunicação humana. Não seria diferente com o luto. A exemplo de diversas áreas da vida, a experiência de morte aos que ficam passou por mudanças tão rápidas no digital que parece que foi sempre assim. Só que não foi.

Quando a família de Rita Lee revelou que a cantora havia falecido na noite anterior 9, homenagens virtuais tomaram as redes. Presciente em quase todas as previsões publicadas seis anos antes, nessa, Rita errou. Famosos e anônimos sabíamos sim que ela estava viva, lutando contra um câncer de pulmão agressivo. Todos lamentamos sua partida.

Antes da internet, a repercussão de mortes de famosos era menos visível. Tínhamos os lamentos daqueles com quem convivemos e a cobertura da imprensa, essa em locais onde, por definição, não cabem muitas vozes. Ouvíamos o adeus dos filhos e amigos da falecida, de gente importante do meio onde ela atuava e de uns poucos populares. A dimensão da comoção era melhor percebida no adeus de fato, nas tomadas em vídeo de multidões chorando e homenageando quem se foi durante o velório aberto ao público.

O megafone que as plataformas digitais colocou nas mãos de cada um de nós deu um novo sentido à despedida. A homenagem póstuma foi pulverizada, democratizada. Os algoritmos, que ampliam tantas coisas boas e ruins, nesse caso ampliaram o reconforto após a perda de uma das maiores da nossa música.

Nem todos entendem, porém. Teve o partido que ignorou a ameaça de Rita Lee, de que se levantaria do caixão para vaiar o político que ousasse fazer do seu velório palanque, e fez justamente isso.

Teve jornal recriminando Rita por atitudes das quais ela nunca se envergonhou, sua relação com as drogas, como se fosse um demérito. O epitáfio dela por ela mesma, “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”, diz tudo.

Muita gente foi ao streaming ouvir os grandes sucesso de Rita Lee. O digital muda tão rápido que até as piadas ficam obsoletas na velocidade da fibra óptica. “Diz que foi fã, mas só agora está baixando a discografia” não faz sentido na era do streaming, em que todas as discografias estão ao alcance de alguns toques.

Enquanto ouviam a discografia, teve quem se lembrasse do antológico perfil de Rita Lee no Twitter. Em momentos como esse, as redes sociais se tornam uma espécie de local de peregrinação virtual.

Rita Lee largou o Twitter por volta de 2013. Os posts mais recentes são links automáticos de posts do Facebook que datam de 2014, o equivalente digital das ervas daninhas que, no mundo físico, se apoderam de prédios abandonados.

A ameaça da nova direção do Twitter, de eliminar perfis inativos há anos para liberar nomes de usuário, pode acabar com esse patrimônio imaterial da internet brasileira. Tal qual no mundo físico, nada dura na internet. Talvez os bits sejam mais frágeis que os átomos, afinal.

Um dos posts de Rita Lee que guardo com carinho na lembrança tem a ver com tecnologia. Publicado em 12 de julho de 2023, resume, de maneira genial, a artista rebelde e pessoa profundamente inspiradora que ela foi: “E eu lá sou mulher d fazer back up? Perdi tudo, foda-se eu.”

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