Sociedade

Rio 2016: quem são os verdadeiros ganhadores e perdedores?

É possível saber como o Rio de Janeiro foi impactado pelos Jogos Olímpicos?

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Por Jonathan Watts e Bruce Douglas

O período que antecede qualquer Olimpíada é marcado por ansiedade e controvérsia, mas o Rio de Janeiro possivelmente superou todas as outras cidades nesse quesito. Contra um pano de fundo de recessão econômica, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, uma epidemia de zika, a criminalidade renovada e a poluição da água, as autoridades municipais não apenas têm de responder às acusações de corrupção, incompetência e prioridades desequilibradas, como também fazer um esforço para justificar se valeu a pena sediar os Jogos, para começar.

Nesse combate polêmico, o establishment – o governo municipal do Rio e o Comitê Olímpico Internacional – afirmam que o evento estimula o desenvolvimento econômico e ressalta o perfil global da cidade anfitriã. Contestando isso, uma série de ativistas sociais, críticos acadêmicos, adversários políticos, moradores desalojados e ativistas ambientais afirmam que a Olimpíada é perturbadora e destrutiva, com tendência a beneficiar uma elite rica.

Além de todas as manchetes críticas, porém, será possível avaliar exatamente como esta cidade de mais de 6 milhões de habitantes foi impactada de fato – no bom e no mau sentido – pela escolha para sediar a Olimpíada, em 2009? Para avaliar isto em longo prazo, é necessário ir além do furor da mídia e concentrar-se no provável legado para os moradores do Rio.

Uma das questões mais polêmicas há anos, evidentemente, é a do deslocamento de moradores. Quantos exatamente foram desalojados pelos projetos de construção em todo o Rio para a Olimpíada, sem falar na Copa do Mundo de Futebol em 2014?

Para onde eles foram levados, com que compensação, e quem está se beneficiando das propriedades (geralmente muito centrais) que eles deixaram para trás?

Os números são contestados. A cidade os situa em centenas. No outro extremo há uma estimativa de que o Rio deslocou 22,1 mil famílias (com 3,5 pessoas cada uma em média) em 2015, 20,2 mil famílias em 2014, 19,2 mil famílias em 2013 e mais de 10 mil antes delas. Esse é o cálculo dos críticos Lena Azevedo e Lucas Faulhaber em seu livro Remoções no Rio Olímpico.

Com base nesses números, eles dizem que o atual prefeito da cidade, Eduardo Paes, superou em muito os dois governantes anteriores que fizeram grandes remoções de pessoas, Carlos Lacerda (1961-1965), com 30 mil relocações, e Pereira Passos (1902-1906), que desalojou 20 mil pessoas. Paes diz que esses números são extremamente exagerados por seus adversários políticos.

Depois há a questão da alocação de recursos, que mais uma vez provoca discussões. “Sem dúvida os principais beneficiários dos investimentos relacionados à Olimpíada foram as construtoras, companhias imobiliárias, firmas de segurança privada e indústrias relacionadas à gentrificação e paisagens dependentes de carros”, comenta Chris Gaffney, um pesquisador na Universidade de Zurique e um importante crítico dos Jogos do Rio.

Besteira, diz Paes, segundo o qual as acusações de que a Olimpíada favorece a rica zona sul da cidade são simplesmente erradas. “Nunca houve tanta transformação para os pobres”, afirma o prefeito. “Setenta e cinco por cento do meu investimento são nas zonas norte e oeste da cidade. É de lá que vêm meus votos.”

Apesar de ele ter-se associado a empreiteiras e firmas de construção, Paes diz que isso foi feito de maneira transparente e beneficiou os contribuintes, porque empresários financiaram 58% dos projetos ligados aos Jogos – o que significa que há menos pressão para os cofres públicos do que ocorreu nos preparativos para a Copa do Mundo.

Mas as áreas mais pobres estão realmente recebendo os benefícios da Olimpíada de maneira equitativa? O Guardian visitou os cinco maiores núcleos do evento para descobrir.

Barra da Tijuca e zona oeste

Apesar da natureza inflada e extensa da Olimpíada moderna, os Jogos do Rio têm um evidente coração geográfico no distrito da Barra da Tijuca/Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Menos claro é se esse local – onde ficam a Vila Olímpica, o Parque Olímpico e o campo de golfe olímpico – foi escolhido para bombear benefícios econômicos por toda a cidade, ou principalmente para a elite abastada.

Nenhuma área sofreu uma transformação tão drástica. A Barra – que há 40 anos era constituída basicamente por pântanos e plantações – é há muito tempo a região de desenvolvimento mais rápido do Rio, na corrida para uma visão digna de Miami, com amplas rodovias, megashopping-centers e condomínios fechados.

A Olimpíada sobrecarregou essa tendência, graças a um influxo de dinheiro público e privado para construir estádios, estradas, usinas de tratamento de água, redes elétricas de alta tensão e um ramal do metrô.

Carlos Carvalho, um dos três maiores proprietários de terrenos na área e um grande investidor em vários projetos olímpicos, acredita que o crescimento da Barra foi acelerado em 30 anos: “A parte mais difícil do plano de desenvolvimento era a infraestrutura de serviços, e a Olimpíada trouxe isso. É um salto de bilhões de dólares”, disse ele ao Guardian no ano passado.

De forma mais polêmica, Carvalho afirmou que seu objetivo maior era mudar o centro do Rio para a Barra, mesmo que isso significasse expulsar as comunidades mais pobres para a periferia, para que uma elite “nobre” tivesse precedência.

Mais tarde ele foi incentivado a não falar com a mídia – supostamente a conselho de Paes, que iniciou sua carreira política na Barra e recebeu doações de Carvalho e outros para sua campanha à reeleição.

Pouco depois de ganhar a disputa, o prefeito aprovou um polêmico projeto de campo de golfe e alterou os códigos de construção para permitir que os empreiteiros erguessem torres mais altas nessa região costeira. Enquanto a comunidade empresarial espera que as oportunidades econômicas melhorem, cientistas sociais e os moradores expulsos são críticos.

“Nossa comunidade se perdeu. Estamos morando em contêineres enquanto se constroem novas casas”, diz Maria da Penha, um importante membro da resistência à relocação na comunidade Vila Autódromo até que sua casa foi demolida.

“A Olimpíada é realmente ruim – isto não é legado”, continua ela. “A Vila Autódromo se tornou uma comunidade totalmente nova: se você vier aqui de novo, não vai reconhecer nada. A história da Vila Autódromo ficará em nossa memória, e estamos tentando preservar sua história, mas não restou nada. Nem uma loja, nada. É tudo novo.”

Para os críticos, esse é um dos muitos indícios de que as prioridades da cidade se inclinam para os ricos. “A Barra há muito era considerada um ‘mundo à parte’ para as classes médias-altas emergentes do Rio, e houve até uma tentativa de separação nos anos 1980”, diz Gaffney.

“Enquanto o resto da cidade vê bilhões de verbas públicas despejadas em subsídios a estradas, shopping-centers e espaços para a elite privilegiada, haverá inevitavelmente consequências negativas conforme os custos das oportunidades aumentarem com o tempo.”

A possível conivência entre autoridades e empreiteiros também está sendo investigada. Dois dos maiores parceiros nos desenvolvimentos do Parque Olímpico – as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez – estão envolvidas, separadamente, no maior escândalo de corrupção da história do Brasil: o inquérito da Lava Jato, sobre acusações de desvios na companhia de petróleo Petrobras. Os promotores estão examinando se erros semelhantes ocorreram nos contratos da Olimpíada.

O advogado Jean Carlos Novaes afirma que os documentos da Lava Jato revelam falcatruas na licitação dos contratos para obras da Olimpíada, mas admite que a corrupção não é novidade – e diz que ela simplesmente foi acelerada em consequência do megaevento. O prefeito refuta essas acusações. A Olimpíada, segundo ele, provará que nem todos os projetos no Brasil envolvem corrupção.

Na comunidade empresarial, as pessoas estão positivas. Laudimiro Cavalcanti, diretor da Câmara de Comércio do Rio de Janeiro, acredita que é natural que a cidade use a Barra como um dínamo para investimentos e desenvolvimento. Até agora, diz ele, o grande problema da região era a mobilidade urbana, o que está sendo solucionado pela construção de vias e da extensão do metrô.

“Isto terá um grande impacto no bairro. Vai aumentar o valor das propriedades, ajudar os shopping-centers e trazer crescimento ao mercado imobiliário “, prevê Cavalcanti. “A Barra é a região que mais será beneficiada. Haverá um aumento do turismo na área. E será bom para o Rio como um todo, porque a cidade estará no centro das atenções do mundo.” 

Área do porto e centro antigo

Possivelmente nenhuma área do Rio de Janeiro sofreu transformação mais radical nos anos desde que a cidade ganhou o direito de sediar os Jogos Olímpicos do que a área portuária – embora esse desenvolvimento seja menos uma parte integral dos Jogos em si do que uma vitrine para potenciais investidores.

Antes dominada pela Perimetral, uma pista elevada monstruosa que foi finalmente demolida em 2014, esta área histórica até agora ganhou um extenso bulevar para pedestres que serve como ponto de desembarque para passageiros de navios de cruzeiro, uma série de museus notáveis e o sistema de trem leve VLT. Ao custo de R$ 1,15 bilhão, seus 17 quilômetros de trilhos eventualmente ligarão à estação rodoviária intermunicipal, ao terminal de ferry, ao metrô e ao aeroporto doméstico.

O custo total do Meu Porto Maravilha, como é conhecido esse esquema de parceria público-privada, foi estimado em R$ 8 bilhões em junho de 2011 por Alberto Silva, diretor da companhia de desenvolvimento criada pela Prefeitura para administrar o projeto. Já foram gastos R$ 5 bilhões em quatro anos desse plano gigantesco que deverá durar 15 anos.

Ao todo, o projeto cobre sete bairros. Mercedes Guimarães, 60 anos, que vive no bairro da Gamboa desde meados dos anos 1960, diz que uma combinação de negligência oficial e leis destinadas a preservar as fachadas de edifícios históricos resultou em décadas de descuido. “Às vezes ouço pessoas que não moram aqui se queixarem das mudanças”, diz ela. “Poderia ser melhor, mas para quem nunca teve nada antes acho que está excelente.”

O projeto Porto Maravilha cobre uma área total de 5 milhões de metros quadrados e inclui as docas da cidade, seu antigo mercado de escravos, sua primeira favela, os armazéns das escolas de samba e a Praça Mauá, que hoje abriga o Museu do Amanhã, projetado por Santiago Calatrava (descrito como um cruzamento de dinossauro movido a energia solar com um aparelho de ar-condicionado gigante).

Um dos projetos mais polêmicos foi a construção de um teleférico na favela do Morro da Providência, ao custo de R$ 75 milhões. Originalmente, os planos previam a remoção de aproximadamente um terço dos cerca de 5.000 moradores do bairro, mas depois que estes lutaram o número foi reduzido e cerca de 140 residências foram afinal destruídas, segundo a Anistia Internacional.

“O saneamento básico teria sido mais útil”, diz Cosme Felippsen, um morador e guia turístico. “Mas não houve diálogo, e o governo fez o que quis.” Ainda sem candidatos à concessão de sua operação, os moradores temem que o teleférico pare de funcionar depois dos Jogos.

Para Pedro Moreira, presidente da filial no Rio da Associação Brasileira de Arquitetos, a principal preocupação sobre a área do porto é se a cidade fez o suficiente para atrair novos moradores.

 

“Estamos preocupados com a falta de moradias. No momento, muitas empresas e hotéis estão chegando, mas é preciso mais moradores para que o bairro pareça vivo”, diz ele. Cerca de 30 mil pessoas moram na região portuária hoje, mas o empreendimento espera trazer mais 70 mil nos próximos dez anos.

Isabel Dias, que recentemente comprou uma casa na Providência com a intenção de transformá-la em um empreendimento social, diz que tantos grandes investidores corporativos – incluindo um certo Donald Trump – estão envolvidos no projeto que ela acredita que a área atrairá novos moradores. “Minha preocupação é que os moradores locais não saiam perdendo”, diz. “Eles não estão realmente sendo incluídos no momento.” BD

Baía de Guanabara

Uma limpeza da baía de Guanabara, que receberá três das cinco provas olímpicas de vela, foi a mais ambiciosa das promessas feitas pelo Rio quando se candidatou a hospedar os Jogos em 2009. Mas nos anos que se passaram a maior esperança se revelou a maior decepção.

Esse vasto corpo hídrico deu à cidade seu nome (os primeiros exploradores portugueses que aqui chegaram a confundiram com o estuário de um grande rio, daí o nome), mas o ambiente de cartão-postal nunca foi exatamente o que parece. Mais recentemente, a incrível beleza da baía – que faz fundo para as vistas mais espetaculares da cidade – descombina com um odor frequentemente desolador de dejetos humanos e outras formas de poluição.

Isto vem em parte da indústria petroquímica, que é um dos pilares da economia do Rio. Mas a causa principal, particularmente perto das raias de vela, é o esgoto que flui para a baía das comunidades próximas, muitas das quais surgiram durante períodos de crescimento urbano desregulamentado.

Segundo o governo estadual (responsável pela qualidade da água da baía), houve melhoras. Desde 2009, a companhia de água estadual (Cedae) afirma ter gasto mais de R$ 2,16 bilhões para triplicar o tratamento de esgotos na baía. Entre as melhoras mais recentes está uma limpeza da Marina da Glória, com um novo sistema de esgoto para tratar a lama malcheirosa que costumava correr para o porto.

Apesar disso, somente 49% do esgoto que flui para a baía de Guanabara é tratado. Em seu documento de proposta, os organizadores da Olimpíada prometeram mais de 80%. Especificamente, eles disseram que construiriam duas grandes unidades de tratamento de rios: uma no rio Irajá, que trataria 11% dos dejetos, e outra no rio Pavuna, que lidaria com 22%.

Houve licitações e licenças ambientais foram emitidas, mas o governo estadual não compareceu com as verbas. Irajá foi construída, mas ainda não começou a operar; Pavuna nem sequer foi iniciada.

“A baía de Guanabara continua sendo uma latrina”, diz o ambientalista Mario Moscatelli, que faz viagens de helicóptero de monitoração na região todos os meses. “É como se eles tivessem prometido uma Porsche V16 e estão nos dando um Volkswagen 1200.”

As consequências são embaraçosas para a cidade e uma preocupação para os participantes da Olimpíada. O mau cheiro da baía, que piora perto dos grandes centros populacionais, agride com frequência as narinas dos visitantes no trajeto da Aeroporto Internacional do Galeão até o centro da cidade.

De maior impacto sobre a competição, os velejadores em eventos de teste se queixaram de que além do cheiro eles têm de enfrentar detritos – que incluem móveis, sacos plásticos e peixes mortos – que poderiam impedir a navegação. Redes, barreiras e barcos pesca-lixo provavelmente darão uma solução provisória.

Mais alarmante e difícil de superar, entretanto, são os riscos para a saúde. Vários estudos recentes indicaram níveis perigosos de vírus, coliformes fecais e até superbactérias na água.

A tecnologia para resolver esses problemas existe, mas o orçamento e a vontade política parecem faltar. David Zee, professor de oceanografia na Universidade Estadual de Rio de Janeiro, diz que o mesmo padrão ficou evidente em outros locais que deveriam ter sido melhorados a tempo para os Jogos.

“O legado que foi mais esquecido – apesar de ser o mais comentado – foi o ambiental”, diz Zee. “No que se refere às vias hídricas – baía de Guanabara, lagoa Rodrigo de Freitas, complexo lagunar de Jacarepaguá –, o governo do Estado não fez nada. É seu modus operandi: muita falação e nenhuma ação.”

Isso já acontecia antes da atual crise econômica. O Brasil sofre hoje sua mais profunda recessão em décadas, e o Rio foi especialmente atingido, fazendo a perspectiva de uma limpeza parecer mais distante que nunca. Mas as imagens de TV provavelmente ainda serão maravilhosas – desde que os espectadores não olhem muito de perto e não chova, o que sempre aumenta os fluxos de lixo.

A zona sul

Na superfície, houve poucas mudanças na rica zona sul do Rio, onde ficam não apenas as famosas praias de Copacabana e Ipanema, mas também a Rocinha, descrita como a maior favela da América Latina.

Com a área altamente urbanizada e apenas alguns eventos olímpicos programados para cá (vôlei de praia, remo e maratona aquática), a maioria das mudanças tem ocorrido fora de vista. Mas não incluem o que o governo estadual do Rio chama de “maior legado no transporte” dos Jogos Olímpicos.

Uma ampliação do sistema de metrô atual com duas linhas foi inaugurada há alguns dias, para levar as pessoas que já têm ingressos de Ipanema à Barra da Tijuca. A extensão, que custou R$ 9,7 bilhões, será aberta ao público em setembro e deverá transportar mais de 300 mil pessoas por dia. Os críticos, porém, afirmam que ela beneficiará principalmente a área rica da cidade.

Uma das maiores interrogações sobre a proposta da Olimpíada no Rio foi a segurança. Na época em que a cidade conseguiu os Jogos, em 2009, o crime violento tinha diminuído de modo significativo em relação aos níveis de meados dos anos 1990 – mas em qualquer comparação internacional o Rio ainda era uma cidade perigosa.

As autoridades prometeram montar “Unidades de Polícia Pacificadora” (UPPs) em 40 das mil favelas do Rio até os Jogos, instalando uma presença policial pela primeira vez em comunidades antes controladas por gangues. Desde que a primeira UPP foi criada em Santa Marta, uma favela da zona sul, 38 comunidades foram “pacificadas”.

Apesar de sucessos iniciais no policiamento comunitário, muitos moradores de favelas ficaram desiludidos depois de anos de táticas agressivas dos policiais das UPPs. “A polícia ainda é uma organização militar violenta”, diz Gabriel Siqueira, 27, da Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro.

Ela não tem a capacidade de implementar uma política como a pacificação.” Outros criticam o fracasso do governo local em entregar serviços prometidos, como água encanada, eletricidade segura e coleta de esgotos, no rastro da iniciativa policial.

Os moradores da alta classe média da zona sul, supostamente beneficiários da redução da criminalidade nas favelas vizinhas, afirmam ter notado pouca diferença ao longo dos anos. “Nada mudou”, diz Eduardo Barbosa, 29, que sempre morou em Ipanema. “Você ainda ouve o grito ‘Pega ladrão!’ nas ruas regularmente.”

Estatisticamente, porém, houve uma queda significativa nos crimes violentos desde o início do programa de UPPs, embora nos últimos meses alguns ganhos tenham começado a se inverter. Muitos cariocas questionam se a pacificação vai durar depois da Olimpíada, diante do enorme custo, das finanças abaladas do Estado e da diminuição do apoio público.

Para Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, o desaparecimento em 2013 de Amarildo de Souza, um pedreiro da favela da Rocinha que foi torturado e assassinado por policiais da UPP local, marcou um ponto de inflexão no programa. “O apoio à polícia está caindo”, diz ele. “As pessoas perderam a fé.”

Ao redor da pitoresca lagoa Rodrigo de Freitas, a segurança nunca foi tão boa, segundo Ildo de Souza, que ganha a vida alugando pedalinhos lá. Mas ele não acredita que isso vá durar. “Depois da Olimpíada tudo vai mudar”, diz. “Os bandidos vão voltar com força.”

Deodoro e zona norte

Poucos projetos olímpicos provocaram tanto entusiasmo entre os moradores quanto o Parque Madureira, um parque de 92 mil metros quadrados inaugurado em 2012.

Os enormes anéis olímpicos metálicos que adornavam a Tiny Bridge em Newcastle (Reino Unido) hoje estão no meio deste parque, juntamente com outras atrações como um palco de samba, uma praia artificial e uma pista de skate.

Antes quase não havia espaços verdes na árida, extensa e relativamente pobre zona norte do Rio. “Para mim foi a melhor coisa”, diz Greice Lopes, 36 anos, dois filhos. “Antes não tinha lugar para passear com meus filhos. Se você quer um momento para andar, pensar ou rezar, este é um lugar maravilhoso.” Durante os Jogos, o parque será um dos três “locais ao vivo” onde os moradores poderão assistir às competições em telões.

Embora o espaço agrade a muitos moradores, a Prefeitura admite que 771 famílias foram obrigadas a sair da favela Vila das Torres para dar lugar a esse parque há muito planejado, de R$ 278 milhões, que fica entre as instalações olímpicas em Deodoro e os dois principais estádios na zona norte: o Estádio Olímpico João Havelange, que abrigará o atletismo, e o Maracanã, que sediará as etapas finais do futebol e as cerimônias de abertura e encerramento.

“Houve um conflito, muita resistência”, diz Raphaella Santos, estudante de graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro que estudou o projeto. “Foi muito traumático para um grande número de moradores.”

“O aluguel subiu demais aqui, e então algumas pessoas tiveram de ir embora”, diz Jorge de Souza, 65, morador há sete anos do Engenho de Dentro, um subúrbio que foi reurbanizado para os Jogos ao custo aproximado de R$ 52 milhões.

Mais a oeste, cerca de R$ 825 milhões foram investidos em Deodoro, local de uma base militar ativa. Onze eventos olímpicos e quatro paralímpicos, incluindo equitação, esgrima e rúgbi em cadeiras de rodas, serão realizados na área e, de modo geral, as obras olímpicas foram bem-vindas pelos moradores deste recanto sonolento do Rio.

“Falando comercialmente, foi ótimo”, diz Marco Aurélio, 47, presidente da associação de moradores local. “Colocou Deodoro no mapa; o fluxo de negócios aumentou e o lugar está atraindo investidores.”

Mas muitos aqui questionam se as autoridades terão dinheiro e vontade para manter as instalações em longo prazo. Apesar do novo X-Park, que abrigará as competições de canoagem slalom e ciclismo BMX e deverá ser entregue ao público depois dos Jogos, os moradores estão céticos: “Não sabemos o que vai acontecer depois”, diz Eloy do Nascimento, 58. “Acho que poderá ser privatizado.”  

*Reportagem publicada originalmente no jornal The Guardian. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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