Sociedade

“Remigração” é eleita a “despalavra” do ano na Alemanha

Todos os anos, um termo em alemão é selecionado para representar expressões depreciativas. O vencedor de 2023 é utilizado pela extrema-direita para se referir à deportação em massa e expulsão de migrantes

Foto: picture-alliance/dpa/W. Steinberg
Apoie Siga-nos no

Remigração” foi escolhida a pior palavra de 2023 na Alemanha, anunciou o júri da Unwort des Jahres (“despalavra do ano”) nesta segunda-feira (15/01).

Em alemão Remigration, o termo trata-se de um eufemismo utilizado pela extrema-direita alemã para se referir à deportação em massa e expulsão de migrantes e seus descendentes.

De acordo com o júri, a palavra em si não é o problema, mas, sim, a forma como ela está sendo utilizada para promover políticas de extrema-direita. O termo técnico de valor neutro vem das ciências sociais.

“O uso da palavra pela nova direita visa alcançar a hegemonia cultural e a homogeneidade étnica. O que é exigido pelo uso da palavra viola a liberdade básica e os direitos civis das pessoas com antecedentes migratórios”, disse a porta-voz do júri, Constanze Spiess.

Em segundo lugar ficou o termo Sozialklimbim (“parafernália social”) que surgiu durante a discussão em torno do bem-estar social básico para as crianças, representando uma retórica discriminatória que vem sendo utilizada com frequência cada vez maior.

Na terceira colocação ficou o termo Heizungs-Stasi (“Stasi do aquecedor”), em referência a uma campanha de propaganda política contra medidas de proteção ao clima. A Stasi era a antiga polícia secreta da Alemanha Oriental, conhecida pela vigilância excessiva dos hábitos cotidianos da população durante o regime comunista. O nome foi associado à palavra “aquecedor” em meio ao debate sobre a necessidade de economizar gás natural no país, utilizado no aquecimento das residências.

Xenofobia e polêmica

O termo “remigração” ganhou notoriedade nos últimos dias após o grupo de jornalismo investigativo Correctiv denunciar que políticos do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) – sigla que tem uma parcela de suas estruturas já sob observação da inteligência alemã por suspeita fundamentada de afronta à Constituição e à ordem democrática alemã – participaram de uma reunião na qual teria sido discutida a deportação em massa de milhões de imigrantes e “cidadãos não assimilados”.

No encontro, foi apresentado um projeto de “remigração”, ou seja, o retorno, forçado ou por outros meios, de migrantes aos seus lugares de origem – independentemente de eles possuírem ou não a cidadania alemã e de terem ou não nascido e vivido a vida inteira na Alemanha.

Na reunião, segundo o Correctiv, foram feitas referências à expulsão de requerentes de asilo, estrangeiros com títulos de residência e alemães com background migratório que não estiverem adaptados à sociedade alemã.

Segundo dados do Departamento Federal de Estatística da Alemanha (Destatis), praticamente um em cada quatro habitantes do país (24,3%) tem raízes migratórias. Isso inclui tanto pessoas que nasceram no país quanto aqueles que migraram para a Alemanha.

Após a reunião vir à tona, o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, e a ministra alemã das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, participaram no domingo de um protesto contra o extremismo de direita em Potsdam, ao lado de outras milhares de pessoas.

Palavra depreciativa do ano

A “despalavra do ano” visa promover a conscientização sobre termos que violam a dignidade humana e os princípios da democracia ou levam à discriminação.

Escolhida na Alemanha desde 1991, a “despalavra” de ordem política foi selecionada pela Sociedade da Língua Alemã até 1994, quando um júri independente em Darmstadt assumiu o projeto anual. Qualquer pessoa pode propor uma palavra e cabe ao júri tomar a decisão final.

Segundo os responsáveis pela seleção, entre sugestões enviadas ao colegiado pela população alemã, expressões linguísticas se tornam “despalavras” por serem pronunciadas de forma irrefletida ou com intenções dignas de crítica num contexto público.

Ao longo do ano passado, os jurados receberam 2.301 propostas do público, somando 710 expressões diferentes. Entre estas, 110 se encaixavam no critério de ser uma “não palavra”.

Entre as candidatas também estavam termos como Kriegstüchtigkeit (“preparado para guerra”), Gamechanger (“virada no jogo”) e Klimakleber (“cola do clima”), que se refere aos ativistas do meio ambiente que colam suas mãos no asfalto durante protestos.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo