Sociedade

Trabalhadores da fruticultura não ganham para vida digna, diz estudo

Levantamento produzido pela Oxfam mostra que trabalhadores rurais se tornaram mais vulneráveis após a reforma trabalhista

Trabalhador rural. Foto: Tatiana Cardeal/Oxfam Brasil
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Eridenes Cândida de Lima, de 40 anos, é mãe e trabalha como safrista na produção do melão no Rio Grande do Norte. Há quatro safras ela vive a mesma expectativa de ser recrutada na época da colheita e a ansiedade de saber que será demitida ao final do ciclo.

Sem emprego após as safras, ela passa a viver de bicos. “Se tiver seguro-desemprego, dá uma aliviada enquanto eles não chamam. Se não tiver, tem que se virar”, diz. Eridenes precisa da ajuda da mãe, Terezinha, 59 anos, atualmente aposentada e que também trabalhou em empresas de frutas da região. “Quando eu não estou trabalhando, minha mãe ajuda com dinheiro.”

O caso ilustra a situação dos trabalhadores safristas na produção de frutas no Brasil. Em um relatório divulgado nesta quinta-feira 10, a Oxfam Brasil traz um levantamento feito com empregados rurais na região nordeste, principal produtora de frutas no Brasil. O relatório dá início a uma campanha da organização para que as grandes redes de supermercado do Brasil assumam sua responsabilidade pela situação desses trabalhadores e criem ferramentas para fiscalizar os produtores.

O resultado ilustra como o trabalho por safra, aquele que o trabalhador só é contratado em época de colheita, impede que pessoas possam garantir o sustento de suas famílias com dignidade. Além disso, o estudo ressalta como a reforma trabalhista, aprovada em 2016, piorou a situação dos trabalhadores, principalmente pelo enfraquecimento dos sindicatos regionais e a possibilidade de terceirização das atividades-fim.

“No mundo rural,  o sindicato tem um papel fundamental pro trabalhador. Sem nenhum plano de transição da reforma, as relações foram muito fragilizadas”, conta o coordenador de direitos humanos da Oxfam, e um dos responsáveis pela pesquisa, Gustavo Paulillo.

Salários indignos

Durante três anos, pesquisadores realizaram 57 entrevistas em 11 estados diferentes na região para mapear a situação dos trabalhadores rurais em propriedades produtoras de frutas. A fruticultura do Nordeste é um setor econômico vibrante que fornece produtos aos principais mercados do mundo, como a Europa e a América do Norte, assim como às principais capitais do Brasil. Ao mesmo tempo, é permeado por problemas estruturais que impedem milhares de homens e mulheres que ali trabalham de terem uma vida digna.

O relatório traz números que ilustram esse cenário. Utilizando o exemplo de uma trabalhadora safrista do melão no Rio Grande do Norte, ela é a principal provedora de sua família, mas tem um contrato de apenas 3 meses. Por seu trabalho neste período receberá, em média, 4.127,25 reais (excluindo possíveis descontos ou benefícios). Se for a única ocupação no ano, sua renda mensal média será de 343,94 reais.

Isso é longe de ser um salário ideal para a região. A pedido da Oxfam, o Dieese realizou uma análise preliminar sobre como definir este valor para a fruticultura do Nordeste. O valor obtido foi de 1.943,17 reais, bem distante da realidade.

Os baixos salários, a falta de oportunidades nas regiões dominadas pela fruticultura e a extrema vulnerabilidade gerada pela rotatividade dos safristas, propiciam um cenário onde as pessoas que trabalham na produção de frutas, além de não terem condições de ter e prover uma vida digna para suas famílias, correm o risco de serem submetidas a abusos e violações de direitos.

Agrotóxico

Outro problema que coloca os trabalhadores rurais em situação de vulnerabilidade é o uso excessivo de agrotóxico. Dos cerca de 290 produtos aprovados entre janeiro e julho de 2019, 41% deles são de alta toxicidade e 32% foram banidos na União Europeia. Trata-se de um recorde no número de autorizações e aumenta a insegurança com relação ao potencial de contaminação dos trabalhadores, do meio ambiente e dos consumidores.

Além da quantidade de produtos aprovados, o governo propôs uma nova maneira de classificar e rotular os agrotóxicos no país. Independentemente de entrar no mérito de qual sistema é o ideal, na prática, essa mudança rebaixa muitos agrotóxicos que antes estavam classificados como extremamente tóxicos, que representavam 34% do total. A nova tabela liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas 2,2% dos agrotóxicos estão agora classificados desta maneira.

Os efeitos a longo prazo do constante e alto uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores, das pessoas que vivem próximas das regiões de plantio e dos consumidores não são consenso.

Segundo Daniel Saldanha, do sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina, um dos desafios está no fato de os trabalhadores não sentirem a contaminação no momento em que está ocorrendo. “O trabalhador não sente. O que faz com que ele passe a sentir? A quantidade de vezes que ele repete [o retorno a área contaminada]. Depois, vem a aparecer como forma de câncer. no diagnóstico disso, normalmente, se coloca o cigarro, a bebida, e não o agrotóxico.”

Transparência

Paulillo explica que quem mais se apropria dos lucros das frutas vendidas são os supermercados. O coordenador conta que a intenção a partir de agora é pressionar essas grandes redes para que elas avancem no compromisso de valorizar a vida dos trabalhadores do campo.

“Nossa expectativa é que essas empresas adotem esses compromissos. Não vamos parar só nesse relatório e vamos continuar até que eles ajudem e mudem a gestão dessa cadeia”, conta Paulillo.

O Brasil é o terceiro maior produtor de fruta no mundo e vem se tornando um dos maiores exportadores. Nos últimos anos, a exportação de frutas gerou cerca de 800 milhões  de dólares anuais e as grandes empresas de supermercado controlam 46,6% do setor.

“A natureza do trabalhador safrista e sua vulnerabilidade deve ter mais espaço nas políticas voltadas para a agricultura, tanto no setor público como no setor privado”, conclui o relatório.

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