Sociedade

Recuperação de praias pode levar até 20 anos, dizem especialistas

Moradores e turistas se revezam na limpeza das praias e se sentem abandonados pelo poder público, que deveria liderar ação

Fotos: Igor Santos – Secom
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Rosane Pamplona está de chinelo e sem material de proteção enquanto limpa a praia da Cueira, em Boipeba. Um trabalho de pente fino, realizado somente graças a um palito de dendê encontrado na praia e uma velha garrafa de plástico usada para recolher o petróleo na areia.

“A gente se organiza como pode, porque a gente ama o nosso mar, a nossa ilha”, conta Rosane, que largou tudo há sete anos para viver nessa paisagem de cartão postal. “Estou com vontade de gritar. As vezes não quero fazer mais nada, só chorar… Mas a gente precisa trabalhar, ajudar, e acho incrível essa união de todo mundo”.

Na pequena ilha, só encontramos habitantes e turistas limpando as praias. As vezes só com as mãos ou sacolas plásticas. No melhor dos casos, com luvas, botas e máscaras comprados graças a uma vaquinha online organizada pelos voluntários. Eles se sentem abandonados pelo poder público.

Até agora, membros do Governo brasileiro já acusaram a Venezuela e a ONG Greenpeace de serem responsáveis pela catástrofe, sem provas concretas.

A atitude das autoridades brasileiras revolta Nilton Freitas, um baiano que mora há dez anos em Boipeba: “Não sabemos quanto tempo isso vai durar, não sabemos o que vai se passar nos próximos dias… Não sabemos a quantidade do que pode chegar, as estratégias que temos que utilizar… A gente está numa incógnita. Só sei que vai ser muitos anos para isso se recuperar. Tanto a fauna quanto a flora, isso vai demorar um bom tempo”.

Entre 10 e 20 anos, segundo especialistas ambientais. Marcos Machado, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (INEMA) explica que normalmente o papel de prevenção e tratamento desse tipo de catástrofe cabe à Marinha e ao Governo federal. Ele lamenta a falta de informação de parte dos órgãos federais.

“O poder público não tem pernas para cobrir todo esse litoral baiano”, reconhece. “Por conta disso, a gente está contando com essas frentes de voluntários, das comunidades indo às praias limparem. Acredito que se não for dessa forma, não há como a gente combater esse inimigo. Um óleo que está vindo, a gente não sabe da onde, e o Governo Federal não se manifesta em relação a isso”.

De fato, as autoridades de Brasília demoraram a reagir à chegada do óleo no Nordeste. Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, visitou pela primeira vez as praias nordestinas 38 dias depois da aparição das primeiras manchas de óleo. “É porque o nordestino não votou no Bolsonaro, ele não está nem aí para a gente”, pensa Nilton Freitas, irritado.

Riscos à saúde

Em Boipeba, os habitantes estão dispostos a tudo para defender esse paraíso natural. Apesar da escuridão, às 19hrs, cerca de 40 voluntários estão ajudando a limpar a praia de Bainema, de difícil acesso. Um dos coordenadores dos voluntários, Henrique Maciel, conhecido como “Cação” está exausto.

“A gente não sabe ao certo quais serão as consequências”, diz Henrique, que reclama de dores de cabeça, nos olhos, na barriga, e gosto de petróleo na boca. A gente sabe que está tendo algum tipo de efeito nos nossos corpos mas a gente não tem saída. Porque se a gente não fizer isso agora, o efeito vai ser muito maior”. Henrique e outros voluntários testemunharam ainda a cena de uma tartaruga agonizante chegando com manchas de óleo na praia.

Os corais e o manguezal, berço da natureza e da vida aquática da ilha, já foram atingidos. Marta Smith, oceanógrafa, está muito preocupada. “A gente está em época de baleias, então pode ser que elas também sejam contaminadas”, explica a cientista. “O benzeno, que é um dos compostos desse óleo, pode intoxicar os organismos e também a gente, porque estamos no topo da cadeia”. Ela recomenda não comer produtos do mar e nem mergulhar, mesmo sem manchas visíveis de petróleo nas praias.

A um mês da temporada turística da ilha, que vive principalmente do turismo e da pesca, o impacto deve ser muito forte. O derrame de óleo no Nordeste já é considerado a pior catástrofe ecológica do litoral brasileiro.

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