Sociedade

Assassinatos no Espírito Santo seguem sem solução

Perto de completar 6 meses, a crise na segurança no Espírito Santo continua sem solução, tanto paras as causas como para suas trágicas consequências

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Júlio dos Reis, 17 anos, foi linchado depois de um “pega ladrão” equivocado. Vinícius Boeker da Silva tinha 19 anos e dividia uma marmita com um amigo quando foi surpreendido por traficantes de uma facção rival. Matheus Martins da Silva, 17 anos, foi morto com cinco tiros de fuzil. Segundo a família, ele voltava de um jantar na casa do tio. Os três jovens foram assassinados durante a chamada crise de segurança no Espírito Santo, em fevereiro deste ano, com a paralisação da Polícia Militar por cerca de 20 dias em todo o estado.

A maioria dos homicídios no período se deu em regiões periféricas: negros e pardos somaram 70% das vítimas e os jovens de 14 a 30 anos, 58%. “A violência mudou quantitativamente, mas não houve uma mudança qualitativa”, disse Júlio Pompeu, secretário de Direitos Humanos do Governo do Estado, em relação ao período que chamou de “crise humanitária”. “Essa categoria [a juventude negra] é a que tem o maior número de vítimas de violência no estado”.

Muitas mortes ocorreram por conflitos entre facções criminosas e acertos de conta independentes. Mas não só. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 30 denúncias de homicídios com envolvimento de militares. Os tiros que mataram Matheus, por exemplo, foram disparados por um militar do exército. Segundo Pompeu, a Secretaria aguarda a finalização das investigações para prover atendimentos especiais às famílias nos casos de violação dos direitos humanos.

 

 

O início da crise

Às 6h30 da manhã do dia 3 de fevereiro, mulheres e familiares de policiais bloquearam a saída dos batalhões, em protesto por melhores condições de trabalho e aumento salarial para a categoria. A cidade de Serra foi a primeira a ficar sem o efetivo da Polícia Militar nas ruas. Na madrugada do dia 4, mais mulheres se organizaram em volta dos batalhões das principais cidades do estado. Os policiais alegavam que não podiam sair dos quartéis e que não utilizariam a força para tirar as manifestantes de lá.

Para evitar um caos maior, no dia 6, a Força Nacional e o Exército Brasileiro entrou em ação. A triunfal marcha do exército nas ruas da Grande Vitória foi motivo de aplausos das milhares de pessoas que assistiam através das janelas de seus apartamentos. Na Praia da Costa, o bairro mais rico do município de Vila Velha, a população também clamava pelas Forças Armadas e agradecia os soldados que passavam pelas ruas. Até então, 62 mortes haviam sido registradas – nenhuma delas nos bairros ricos onde as Forças Armadas foram aplaudidas.

Mesmo com camburões nas ruas, a principal estratégia de segurança da população era permanecer em casa, como relata Camily, 21, moradora de Serra Dourada III, no município de Serra: “Só saíamos em caso de necessidade. Ao longo da semana, os produtos começaram a ficar escassos, você ia ao mercado correndo. A galera estava estocando mesmo, para não sair”. As negociações com o governo foram dificultadas pelos problemas de saúde de Paulo Hartung, governador do estado, que se ausentou do gabinete justamente no dia em que a paralisação teve início.

 

Por trás dos números

Jovens que perderam a vida durante a paralisação da PM:

 

A ausência do policiamento ostensivo aproximou o Espírito Santo de um passado violento que há tempos não dava as caras. Em 2008, o estado tinha a segunda maior taxa de homicídios do país. De 2005 a 2015, no entanto, houve uma queda de 26% nos assassinatos. Em 2016, a taxa de homicídios foi a menor registrada nos últimos 28 anos. O governo Hartung, que se tornou referência em segurança pública, não podia esperar por um episódio como esse.

Entre manifestações em frente aos quartéis, reuniões nas mesas do governo e pânico dentro das casas, a violência na periferia soltava as suas garras longe dos gabinetes. Serra, o município pioneiro na paralisação, foi o que contou com mais homicídios – 51 ao longo do mês. Cariacica ficou em segundo lugar, com 28 assassinatos. Ambas são as cidades com maior quantidade de favelas na Grande Vitória. “Depois das 22h, os PMs de bronca saem para fazer busca, descaracterizados. Se encontram um vagabundo, eles passam. Arma fria, ninguém viu”, disse um morador de Andorinhas, sobre o toque de recolher nas regiões mais vulneráveis de Vitória. Outro morador, de Vila Velha, relatou que militares à paisana e armados mantinham o toque de recolher na Praia de Itapuã.

 

 

Até o momento da publicação desta matéria, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo não colaborou com o fornecimento de dados sobre as vítimas, tampouco se pronunciou após a procura da equipe de reportagem. Cinco meses após a greve, não há perspectiva de aumento para os policiais. O Clube dos Oficiais, organização que representa os PMs e os bombeiros, lançou no último mês uma campanha salarial em busca de reajuste para a categoria.

No dia 23 de fevereiro, quando o Exército saiu das ruas, a greve e a crise de segurança no foram tidas por concluídas. O fim das palmas que ecoavam pelos apartamentos da Praia da Costa também aconteceu, mas o som do pipoco ecoando nas quebradas da Grande Vitória ainda reverbera na memória das famílias que perderam seus filhos, primos, irmãos e amigos.

 

 O Ministério Público do Espírito Santo informou que:

Foi criada no dia 6 de março uma força-tarefa com o objetivo de acompanhar e participar das investigações dos crimes cometidos durante a paralisação da Polícia Militar. Relatórios mensais de acompanhamento seriam divulgados.

Foi criada a Comissão Mista para discutir as demandas por melhorias na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar e as possibilidades do Governo do Estado em atendê-las.

 

Checamos que:

A força-tarefa do Ministério Público do Espírito Santo foi criada, mas os relatórios prometidos a cada 30 dias não foram divulgados. Questionado sobre os relatórios, o MP afirmou que eles estavam em constante atualização e que sua divulgação prejudicaria as investigações.

As reuniões foram previstas e agendadas para os dias 18 de maio e 6 de junho, mas nenhuma decisão foi noticiada pela comunicação do MP.

 

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