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Projeto usa smartphone para preservar línguas indígenas

Software criado por australiano possibilita que línguas de comunidades remanescentes possam ser aprendidas. No Brasil, 190 estão ameaçadas de sumir

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No meio da floresta amazônica brasileira, telefones celulares estão sendo usados para coletar histórias da literatura oral. O objetivo da expedição é preservar o patrimônio linguístico de comunidades indígenas que correm o risco de desaparecer sem deixar qualquer vestígio.

“Muitas pessoas acreditam que as novas tecnologias estão acabando com a cultura tradicional. Nós tentamos encontrar caminhos para usar essa tecnologia como incentivo para preservar as tradições”, conta à DW Brasil o australiano Steven Bird, professor da Universidade de Melbourne e que está à frente do projeto.

A ideia é simples. Bird e sua equipe desenvolveram um software de fácil manejo batizado de Aikuma, que permite aos falantes gravar e traduzir sua língua. O aplicativo não utiliza a escrita e funciona com ícones. “Nós achávamos que seria fácil desenvolver a tecnologia, mas descobrimos que era muito difícil. Pois os aplicativos trabalham com a escrita, e não poderíamos ter sete mil versões [número de línguas faladas no mundo]. Além disso, muitas dessas línguas não têm um sistema de escrita”, diz Bird.

Para a Amazônia, Bird levou 15 smartphones. Após gravar as histórias antigas e tradicionais, o aplicativo compartilha o conteúdo com os outros telefones da rede. Com o áudio disponível em todos os celulares, ele poderá então ser adaptado para o português por qualquer pessoa conectada à rede. A tradução é feita frase por frase. No final do processo, um CD será gravado com a história e a tradução.

No futuro, além de estar preservada, essa língua poderá ser aprendida – muitas delas ainda não possuem um sistema de escrita, mas as gravações ajudarão a desenvolvê-lo e a criar dicionários e gramáticas. “Agora, como o trabalho é muito urgente, precisamos focar nas gravações”, afirma.

 

Línguas da Amazônia

O australiano ficará dois meses na Amazônia e visitará três comunidades indígenas, que falam tembé, nhengatu e ticuna. O professor já esteve na aldeia de Tembé, onde há apenas 150 falantes dessa língua. Bird conta que as crianças não aprendem mais tembé. “Talvez, em 40 anos, ela não será mais falada”, estima.

Apesar de o software ser de fácil uso, o líder do projeto ainda enfrenta algumas barreiras. “O maior desafio é encontrar pessoas que conheçam as histórias antigas e tradicionais,” explica o professor. No caso dos tembés, as histórias e traduções já gravadas em CD poderão reverter esse quadro. Em cada língua, são gravadas aproximadamente 20 ou 30 histórias. “Deixamos esses CDs nas aldeias para que as crianças os escutem e aprendam o idioma nas escolas.”

Risco de desaparecer

O Brasil ainda possuí diversidade linguística. O Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que existem 274 línguas indígenas faladas no país, embora praticadas por um número cada vez menor de pessoas.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no Brasil 190 idiomas correm o risco de desaparecer. O país é o terceiro do mundo em número de línguas ameaçadas, atrás da Índia e dos Estados Unidos. O órgão destaca também que mais de 2.500 línguas no planeta estão ameaçados de extinção e que, nos últimos anos, 231 já desapareceram.

Para evitar que parte da tradição indígena no Brasil se perca, Bird vai visitar universidades no país. O australiano quer compartilhar a experiência com o Aikuma e explicar para linguistas e antropólogos como funciona o software. Com financiamento dos governos australiano e americano, Bird quer expandir o uso do aplicativo: “Perder uma língua é como perder uma biblioteca. Toda uma coleção de conhecimento e informações sobre o mundo é perdida para sempre.”

DW.DE
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