Sociedade

Projeto leva arte e esporte a Lábrea, no Amazonas

Caravana da ESPN, que passou por outros municípios com baixo IDH, busca unir esporte e artes à educação no município amazonense

Lábrea é parte do "faroeste amazônico"
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De Lábrea (AM)

A cerca de 700 quilômetros de Manaus, próximo à divisa com Rondônia, o município de Lábrea, no sul do Amazonas, é exemplo da complexa situação agrária no Norte do País. A falta de regularização fundiária e a ausência do Estado abrem espaço para conflitos entre desmatadores ilegais, grileiros e produtores rurais regulares. Muitas das disputas são “resolvidas” por pistoleiros, o que faz Lábrea integrar o triste triângulo do “faroeste amazônico”, ao lado de Canutama e Manicoré.

A delicada situação faz uma pressão particular sobre os indígenas do município, pertencentes a quatro etnias diferentes, espalhadas em cerca de 70 aldeias. “Há invasão de todos os lados, por caça, pesca, madeira, pedras preciosas. Aqui é uma área demarcada e homologada, mas quem fiscaliza isso?”, questiona Zé Bajaga, coordenador da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), região que abrange seis municípios e aproximadamente 60 mil indígenas de 16 povos.

Segundo ele, outro problema grave é o preconceito por parte dos não indígenas. “Há muitos conflitos porque os povos indígenas ainda são muito discriminados. Eles nos chamam de animais, porque falamos outra língua. E nós somos 40% do município de Lábrea”, diz Bajaga. O líder também ressaltou a necessidade de uma educação indígena de qualidade nas aldeias, que contemple as diferenças culturais, com os saberes universais e saberes tradicionais indígenas.

Uma tentativa de mudar esse cenário e contribuir para o desenvolvimento das novas gerações ocorreu na semana entre 25 e 30 de agosto, com a passagem da Caravana do Esporte e das Artes, organizada pela ESPN, que levou a proposta da pedagogia da arte e do esporte-educacional à cidade.

“No esporte educacional as crianças aprendem questões da vida a partir de brincadeiras. A pedagogia segue alguns princípios básicos: inclusão de todos, construção coletiva, diversidade, autonomia e educação integral”, explica Alexandre Arena, professor de educação física e coordenador pedagógico da Caravana do Esporte.

Cerca de 500 crianças participaram das atividades a cada período. Nos 5 dias de atividades, contaram com  a participação de cerca de 3 mil estudantes e 150 professores.

“Quando trabalhamos o vôlei, por exemplo, colocamos a rede um pouco mais baixa do que a oficial, para possibilitar que a criança consiga jogar a bola de um pedaço da quadra para o outro, o que aumenta sua autoestima e dá a sensação de realização”, explica Adriana Saldanha, diretora da Caravana.

“A mesma coisa com as artes. Não adiantaria nada chegar aqui com uma estrutura de instrumentos se você não trouxesse uma tecnologia social pela qual a criança e o professor percebam que com o tambor feito e galão de água, com uma flauta feita de tubinho de PVC, com um caxixi feito de sementes e de peneira, se pode dar acesso para que todos construam os seus instrumentos”, diz.

Ana Moser, medalhista olímpica no vôlei em Atlanta-1996 e presidente do Instituto Esporte Educação, acompanhou a caravana. Para ela, o investimento no esporte é um investimento na sociedade como um todo. “Na ludicidade está a oportunidade para o aprendizado, e pesquisas provam que as atividades esportivas melhoram o rendimento escolar e a condição cognitiva”, diz.

Labrea01.jpg Lábrea é marcada por conflitos agrários complexos

Para Alexandre Arena, coordenador pedagógico, essa combinação entre esporte e educação poderia ter sido incentivada pelos governos brasileiros como um legado esportivo dos Jogos Olímpicos. “O Brasil não tem uma política esportiva. Sempre houve tentativas, mas nunca um sistema nacional de esporte, uma política pensada para o esporte de alto rendimento, de lazer ou educacional”, diz. Segundo ele, não há uma conexão entre os programas do Ministério da Educação e do Esporte.

“O país está fazendo grandes eventos esportivos, fez a Copa do Mundo, está fazendo os Jogos Olímpicos, e eu me pergunto: Como os Jogos Olímpicos têm impacto nas crianças de Lábrea? O que mudará realmente no país com a realização desses grandes eventos? Ok, temos o legado de infraestrutura urbana, mas e o legado esportivo? Um país que quer ter uma cultura esportiva precisa investir nisso.”

Concebida pelo jornalista José Trajano, a Caravana do Esporte surgiu em 2004 a partir de uma parceria entre a ESPN, o Instituto Esporte Educação e a Unicef. A Caravana das Artes surgiu três anos depois, com a entrada do Instituto Mpumalanga. Em 2014, a Disney também passou a ser uma patrocinadora do projeto. Além dos patrocínio privado, o projeto ainda conta com o financiamento público, pela Lei de Incentivo ao Esporte e pela Lei Rouanet. As cidades são escolhidas pelo critério de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e índice de Desenvolvimento da Infância (IDI), com o auxílio da Unicef. 

 

*A jornalista viajou a convite da ESPN

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