Sociedade

Prefeito de Duque de Caxias é criticado por erguer ‘muro da vergonha’ em obra de Niemeyer

Para desalojar um casal que se abrigava sob o Teatro Raul Cortez, a prefeitura ordenou que o espaço fosse fechado com tijolos

O vice de Cláudio Castro, Washington Reis. Foto: Arquivo/Tania Reis/Agência Brasil
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Alçado à fama nacional por sua postura — inicialmente negacionista e depois espetaculosa — frente à pandemia, o prefeito de Duque de Caxias Washington Reis, do MDB, incluiu mais um episódio à sua extensa lista de polêmicas. Com o objetivo de desalojar um casal que nas últimas semanas havia adotado como morada o vão sob a rampa de acesso ao Teatro Raul Cortez, localizado no centro do município da Baixada Fluminense, a Secretaria Municipal de Cultura ordenou que o espaço fosse fechado com tijolos. Detalhe: o teatro faz parte de um complexo cultural projetado por Oscar Niemeyer. A decisão de Reis é repudiada por arquitetos, militantes de direitos humanos e associações de pessoas em situação de rua.

A prefeitura alega que a “obra” faz parte de um projeto de reforma do prédio previamente programado e que “respeita” o projeto de Niemeyer. Essa argumentação, porém é rechaçada pelo escritório de arquitetura da família: “Não autorizamos nenhuma intervenção. Esperamos que o prefeito volte atrás em sua decisão”, diz Paulo Niemeyer, bisneto do grande arquiteto. Já o Fórum Popular em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua de Duque de Caxias divulgou uma nota na qual chama a intervenção autorizada por Reis de “muro da vergonha” e afirma que ela faz parte “de um design urbano hostil para excluir determinados grupos sociais” e “reforçar o apartheid social e o preconceito” na cidade.

O Fórum conseguiu o apoio de figuras emblemáticas no combate à injustiça social, como Dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias. Ao declarar sua “solidariedade” aos mais necessitados e sua “indignação” com a prefeitura, Dom Mauro citou o Novo Testamento em postagem nas redes sociais: “Mateus 25: Cristo se identifica com os descartados e abandonados, lesados em sua dignidade e privados de direitos básicos”, escreveu. O bispo emérito acrescentou: “Maldito o país em que a criança passa fome e o pobre sem teto é escorraçado pelo poder público!”.

Outro a prestar solidariedade ao Fórum, em nome da “defesa da vida e dos irmãos mais vulneráveis” foi um ícone da luta contra a fome das pessoas em situação de rua no Brasil: o padre Júlio Lancellotti, pároco da igreja São Miguel Arcanjo, localizada em São Paulo. Integrante da direção do Fórum, o professor Marroni Alves comenta os apoios e aproveita para bater no prefeito: “Gestores que se dizem cristãos, tementes a Deus, e que gostam de misturar política e religião deveriam ler mais as escrituras e se aconselhar com Padre Júlio, Dom Mauro e aqueles irmãos de todas as matrizes religiosas que diariamente estão pelas ruas de Caxias distribuindo alimentos, roupas, atenção e oração aos moradores de rua”.

A prefeitura, diz o ativista social, não dá a mínima importância aos que dormem nas ruas da cidade, que é a mais populosa da Baixada: “Tijolo, cimento e mão de obra gastos poderiam servir para a construção de um abrigo para acolher, tratar, capacitar e dar dignidade a essas pessoas, mas a prefeitura escolhe o caminho mais fácil e mais desumano. Aliás, Caxias não possuí nenhum abrigo para moradores de rua, principalmente no primeiro distrito, onde o índice de pessoas sem teto é cada vez maior”.

Adversário de Washington Reis, pelo PT, nas últimas eleições, o sindicalista Aluizio Junior critica a decisão do prefeito: “Essa decisão demonstra a falta de sensibilidade da prefeitura com a população em situação de rua, que não tem uma política pública de amparo. O Município não garante uma política local através da qual se possa dar o mínimo de assistência a essas pessoas como forma de tratar essa situação social. Sem falar no desrespeito que é modificar uma obra de Niemeyer. É mais um desmando do prefeito”, diz.

Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, Pablo Benetti lamenta a falta de cuidado com a obra de Niemeyer: “A rampa do teatro é um destaque arquitetônico, parece flutuar. Erguer um muro descaracteriza esse conceito do mestre. Ter um projeto de Niemeyer é um privilégio para poucas cidades”, diz. Falta convencer o prefeito de Duque de Caxias.

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