Sociedade

Por uma política municipal para as Terras Indígenas

Os indígenas que moram na maior cidade do País precisam de proteção

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Nesses tempos difíceis, nos quais a democracia arduamente conquistada está em risco – e com ela os direitos humanos – é oportuno lembrar que a Constituição garante os direitos originários dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e que são utilizadas para as suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e às necessidades de reprodução física e cultural desses povos, segundo seus usos, costumes e tradições.

Poucos sabem que existem duas terras indígenas no município de São Paulo, ambas Guarani Mbya. A TI Tenonde Porã, ao sul, abriga ao todo seis aldeias: Tenonde Porã, Krukutu, Kalypety, Yrexakã, Guyrapaju e Kuaray Rexakã – as duas últimas em São Benardo do Campo. A TI Jaraguá, a noroeste, abriga quatro aldeias: Ytu, Pyau, Itakupé e Itawerá.

Embora essa terras indígenas sejam reconhecidas pela Funai, apenas as aldeias Tenonde Porã, Krukutu e Ytu são homologadas, somando apenas 53,5 hectares para uma população, segundo o Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena, de 1,5 mil índios.

A Terra Indígena Jaraguá foi declarada pelo Ministério da Justiça em maio de 2015, mas parte da área está sob uma liminar impetrada pelo governo estadual, permanecendo os índios em situação de insegurança sobre as terras que tradicionalmente ocupam, forçando-os a viver em uma situação de apinhamento que é totalmente estranha à sua cultura.

Além de obviamente garantir o direito constitucional dos Guarani, em São Paulo as Terras Indígenas protegem remanescentes de Mata Atlântica e mananciais de abastecimento.

A presença guarani, cujo modo de vida é indissociável da floresta, é uma garantia de preservação dessas áreas.

A demarcação de terras indígenas é de competência federal. Não cabe ao município decidir, mas ele pode apoiar, tanto na proteção do território quanto na construção de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos dos índios que os habitam. 

Quanto ao primeiro aspecto, o Plano Diretor Estratégico as assinalou e incluiu no Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Áreas Livres. A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, recentemente aprovada, enquadrou como Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) a totalidade das terras indígenas, homologadas ou não, afastando a possibilidade de que venham a ser ocupadas indevidamente ou que sejam objeto de especulação imobiliária.

Vale aqui ressaltar que o substitutivo da Lei de Uso e Ocupação do Solo, elaborado e aprovado pela Câmara Municipal, alterava o zoneamento proposto pelo executivo e excluía a Zepam de parte da Terra Indígena Jaraguá.  

O prefeito Fernando Haddad (PT), no entanto, atendendo à reivindicação dos índios e de modo coerente com o previsto no Plano Diretor, vetou a alteração. Ao fazê-lo, demonstrou uma posição política que é compartilhada pelo nosso mandato: a defesa incondicional dos direitos indígenas, que é preponderante aos demais interesses que incidem sobre essas terras.

Quanto às políticas públicas, merece destaque a educação indígena nos Centros de Educação e Cultura Indígena (Ceci), criados em 2001, com uma proposta pedagógica de educação indígena, construída conjuntamente entre os técnicos da Secretaria Municipal de Educação e as lideranças de cada aldeia.

E, na atual gestão, o Programa Aldeias, implantado em 2014 pela Secretaria Municipal de Cultura, com o objetivo de fortalecer e promover as expressões culturais tradicionais do povo Guarani Mbya. 

Apesar dos acertos do programa, ele não é criado por lei, não estando, portanto, garantida a sua continuidade para além da atual gestão.

Outras secretarias municipais também atuam nas terras indígenas: a Secretaria da Saúde, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente – a Terra Indígena Tenonde Porã, esta sobreposta à Área de Proteção Ambiental Municipal do Capivari-Monos –, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, que apoiou a luta dos guarani do Jaraguá nas diversas ações de reintegração de posse que sofreram, e a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, através do Conselho Municipal Indígena.

Não há, no entanto, uma ação integrada dessas secretarias nas terras indígenas, nem tampouco uma leitura mais ampla desses territórios que abarque de forma não fragmentada as dimensões social, ambiental e cultural. 

Ao contrário de nós, jurua (palavra guarani para não índio), a cultura guarani não dissocia o social do ambiental, nem do cultural, nem da saúde, nem da educação.

E uma atuação integrada, com garantia do protagonismo indígena, focada na complexa realidade de terras indígenas localizadas na maior e mais urbanizada região metropolitana no País, é necessária e urgente.

É nesse sentido que protocolamos nesta terça-feira 19, Dia do Índio, o Projeto de Lei “Teko Porã: Política Municipal de Fortalecimento Ambiental, Cultural e Social das Terras Indígenas”, atendendo à reivindicação do povo guarani. 

Inspirado na Política Nacional de Gestão Ambiental de Terras Indígenas, adaptando-a à realidade paulistana, o projeto visa integrar as ações municipais, consolidando-as em uma política municipal abrangente e gerida por um comitê paritário entre indígenas e não indígenas.

Garante também a continuidade e ampliação do Programa Aldeias.

Uma das traduções possíveis para Tenonde Porã, nome da maior das terras indígenas paulistanas, é “futuro bom, futuro bonito”. Já Teko Porã, nome dado pelos guarani ao projeto, significa “bem viver”. É o que desejamos para os índios de São Paulo e de todo o Brasil.

*Nabil Bonduki, professor titular da FAU-USP, é vereador e foi secretário municipal da cultura do município de São Paulo (2015-6); Maria Lucia Bellenzani é engenheira agrônoma e mestre em Ciência Ambiental.

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