Cultura

cadastre-se e leia

Por que o filme ‘Som da Liberdade’ tem mobilizado evangélicos, bolsonaristas e PMs no Brasil

Através da bandeira de conscientização contra pedofilia, a produção pulveriza teorias conspiratórias

Foto: Reprodução/YouTube
Apoie Siga-nos no

O lançamento no Brasil de um obscuro filme americano tem mobilizado alguns grupos locais da extrema-direita. 

Parlamentares bolsonaristas, evangélicos e policiais tentam se aproveitar do sucesso que Som da Liberdade. teve nos Estados Unidos. Lá, a produção ganhou apoio do ex-presidente Donald Trump e do bilionário Elon Musk

No mundo todo, o blockbuster da direita já arrecadou mais de US$ 200 milhões e tornou-se a produção independente mais destacada desde o ganhador do Oscar Parasita.

No Brasil, o lançamento contou com a distribuição gratuita de milhares de ingressos. Tanto pela produtora americana responsável pelo filme, a Angel Studios, quanto pela produtora Brasil Paralelo. 

O filme é baseado em relatos de Tim Ballard, um ex-agente especial de Segurança Nacional nos Estados Unidos responsável pelo grupo “Operation Underground Railroad”, que resgatava crianças de uma rede de exploração sexual.

Com ação, messianismo e heroísmo, o protagonista se propõe a fazer justiça com as próprias mãos para salvar uma criança. 

Diz a sinopse do longa:

“Um ex-agente federal embarca em uma perigosa missão para salvar uma menina dos cruéis traficantes de crianças. Com o tempo se esgotando, ele viaja pelas profundezas da selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertá-la, e depois se envolve em uma longa caçada para salvar outras crianças.”

A partir de pautas sensíveis e legítimas — o combate a pedofilia, exploração infantil, desaparecimento e a luta pela proteção das crianças, o filme se enveredar pelo proselitismo ideológico.

O objetivo? 

Na divulgação do longa é repetido o argumento de suposta sabotagem ao filme por alguns grupos. No limite, a trama dialoga com a falsa tese de que progressistas são responsáveis pelas redes globais de tráfico sexual infantil, popularizada nos EUA pelo movimento QAnon.

Os seguidores do QAnon creem que líderes de extrema-direita como Donald Trump travam uma guerra secreta contra pedófilos adoradores de Satanás. Estes “adoradores” seriam pessoas que estão nos cargos do alto escalão do governo americano, da imprensa e das grandes corporações. 

Vale pontuar, contudo, que O Som da Liberdade não faz nenhuma referência direta ao QAnon, uma vez que sua gravação foi feita em 2018, antes do movimento surgir. 

No entanto, as associações com a teoria conspiratória surgiram através da proximidade do protagonista do filme, o ator Jim Caviezel, com o grupo.

Em 2021, Caviezel participou de uma conferência temática QAnon e em uma participação no podcast de Steve Bannon, disse que o QAnon é “uma coisa boa”.

Em entrevista recente ao UOL, o diretor mexicano Alejandro Monteverde alegou que não ouviu a “crítica negativa” e lamentou a associação do filme ao QAnon, mas se recusou a falar sobre o assunto. 

‘Nós somos a resistência, as crianças estão pedindo socorro’

Com este “lema”, parlamentares de extrema-direita têm agido pela repercussão do filme e enviesando o tema para retomar a guerra cultural à brasileira.

A pré-estreia em Brasília, em 19 de setembro, contou com a participação da família Bolsonaro, da ex-ministra e senadora Damares Alves e do deputado Mário Frias

“Não é coincidência que este filme está em cartaz neste momento. Deus ouviu o clamor das crianças”, disse Damares na sessão.

O senador, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), destacou em seu perfil: “Convido a todos que defendem os valores cristãos para assistir ao filme”.

Frias pontuou que o longa-metragem é algo que “a grande mídia não quer falar a respeito”.

Caravanas 

Viralizou nas redes sociais, o vídeo de um grupo de policiais militares de Santa Catarina se reunindo para assistir e divulgar o filme. 

Em razão da procura dos policiais pela produtora do filme, a Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal anunciou a distribuição gratuita de 5 mil ingressos para seus associados e familiares.

Incoerência 

Outro ponto destoante é a história do ex-agente Tim Ballard, que dá base ao filme. Ele fundou em 2013, a ONG Operation Railroad Underground para resgate de vítimas de exploração sexual. 

Apesar do feito, o próprio fundador, Ballard foi afastado permanentemente depois de ser acusado de importunação sexual por sete mulheres em 22 de junho de 2023.

De acordo com Vice, fontes alegaram que Ballard sugeriu que mulheres fingissem ser sua “esposa” durante missões secretas no exterior destinadas a resgatar vítimas de tráfico sexual. 

As mulheres alegaram que Ballard coagiu as mulheres a compartilhar a cama ou tomar banho com ele para enganar os traficantes. Uma mulher disse que ele lhe enviou uma foto de cueca, e outra alegou que ele a pressionou sobre “até onde ela estava disposta a ir” para salvar as crianças.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo