Sociedade

Política de segurança pública: reformas são urgentes

A política de criminalização do usuário de drogas, gestada nos gabinetes governamentais, está equivocada

Foto: Marcello Casal Jr./ABr
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Robson Sávio Reis Souza*

 

Nos últimos anos tivemos uma série de tentativas de reformas incrementais na área da segurança pública. No plano federal, Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro é ensaiar mudanças: conseguiu avançar em algumas alterações legislativas, criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública e o Fundo Nacional de Segurança Pública. Mas capitulou quando as reformas batiam às portas da estrutura do sistema de segurança pública.

Lula, por duas vezes, também fez ensaios de reforma. Primeiro, na tentativa de implantação de um Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP. Depois, quando da implementação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o PRONASCI. Em relação ao SUSP, Lula recuou quando percebeu os elevados custos para seu governo na centralização da gestão, ou mesmo, da articulação efetiva da segurança pública no Brasil. Em relação ao PRONASCI, novo recuo. Na Conferência Nacional de Segurança Pública, em 2009, o recrudescimento das demandas corporativas mostrou que para além de um pacto federativo em torno das prioridades para a segurança pública, vespeiros de várias ordens encontram-se incrustrados nas várias organizações policiais brasileiras.

Quando Dilma tomou posse estava pronto um plano nacional de combate aos homicídios no Brasil. Era uma tarefa árdua, mas fundamental, num país onde se matam 50 mil pessoas por ano. A presidenta logo percebeu o tamanho da empreitada e, mais uma vez, preferiu dar marcha à ré…

Em relação aos governos estaduais, que comandam as polícias, algumas tentativas de reformas também foram feitas nos últimos anos. Avança-se um pouquinho com ações de integração policial aqui, programas de prevenção acolá. Nada que altere substantivamente o modus operandi das polícias ou a forma, às vezes enviesada, de se implementar as políticas de segurança. Quando algum governador tenta ações um pouco mais ousadas, basta que as polícias ameacem com greves para que o mandatário “coloque a viola no saco” e vá pedir socorro às Forças Armadas.

Mas abundam as soluções simplistas para problemas complexos na área da segurança pública. Por exemplo, a epidemia em que se transformou o uso de drogas, especialmente o crack, depende, é óbvio, de ações que utilizem mais a inteligência policial e o tratamento das vítimas do que a repressão aos usuários. Mas por que não se avança nas políticas de incremento do aparato investigativo das polícias e se mantém o velho discurso da criminalização dos usuários como lenitivo para enfrentar o problema das drogas?

A política de criminalização do usuário, gestada nos gabinetes governamentais e não necessariamente nos quarteis policiais está equivocada. Sendo atividade meramente repressiva, o foco da política, infelizmente, parece visar mais a ações de higienização de determinadas áreas da cidade e criminalização de segmentos sociais do que à ajuda de fato aos usuários de drogas. Isso sem prejuízo, é claro, das ações policiais direcionadas a produtores e distribuidores de drogas e as gangues violentas que fazem parte desse circuito.

Rapidamente, vejamos o caso do Rio de Janeiro: as Unidades de Polícia Pacificadora são, de fato, uma tentativa, quase desesperada, de reforma das polícias cariocas cujo baixo grau de legitimidade – devido a ineficiência e os altos índices de letalidade da atividade policial, entre outros – estavam colocando em xeque a institucionalidade daquele estado federado. Importante destacar, aqui, também, a pressão internacional exercida por organismos alienígenas – tendo em vista a realização de megaeventos naquele estado -, que exigiam (e exigem) ações efetivas dos governos no campo da segurança pública para a consecução de tais empreendimentos. Será que vai dar certo? Salve Jorge!

Num dado momento até pensamos que a política de segurança está avançando. Mas de repente, nos deparamos com a realidade que vemos. Uma realidade que muitos de nós vemos pela TV; mas que milhões de brasileiros vivem e experimentam cotidianamente. De um lado, observamos os indicadores de crimes violentos; as taxas de letalidade da ação policial; a baixíssima percentagem de homicidas processados pelo sistema de justiça. Notamos, “na vida como ela é”, os velhos discursos retornando de forma retumbante: redução da idade penal; criminalização dos movimentos sociais; internação compulsória para o andar de baixo (porque são perigosos). Doutro lado, um estado penal cada vez mais robusto e legiferante, com prisões abarrotadas, que caminha a passos largos para a judicialização da política ao extremo, inclusive, agora, com a aplicação cada vez mais intensa dessa Teoria do Domínio do Fato, assinalando um perigoso retrocesso no que diz respeito às garantias fundamentais.

Estamos frente a um dilema: a situação atual de desarranjo na segurança pública, esses altíssimos índices de criminalidade; a baixa legitimidade das instituições do sistema; os anacronismos na gestão e articulação das agências – seja no plano nacional, seja nos planos estaduais (e mesmo os novos dilemas advindos com a gradual municipalização da segurança) -, somada ao clamor social por melhorias no contexto de uma sociedade mais plural, com esplêndida diversidade cultural e que deseja ser democrática – que não aceita mais os panos quentes como respostas aos problemas públicos – (essa situação) demanda a emergência de reformas estruturais em todo sistema de justiça criminal, especialmente uma reforma na segurança pública e nas instituições policiais.

*Robson Sávio Reis Souza – Ex-coordenador da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (2000 – 2004). Professor da PUC Minas. Coordenador do Nesp – Núcleo de Estudos Sociopolíticos (PUC Minas). Membro efetivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Robson Sávio Reis Souza*

 

Nos últimos anos tivemos uma série de tentativas de reformas incrementais na área da segurança pública. No plano federal, Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro é ensaiar mudanças: conseguiu avançar em algumas alterações legislativas, criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública e o Fundo Nacional de Segurança Pública. Mas capitulou quando as reformas batiam às portas da estrutura do sistema de segurança pública.

Lula, por duas vezes, também fez ensaios de reforma. Primeiro, na tentativa de implantação de um Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP. Depois, quando da implementação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o PRONASCI. Em relação ao SUSP, Lula recuou quando percebeu os elevados custos para seu governo na centralização da gestão, ou mesmo, da articulação efetiva da segurança pública no Brasil. Em relação ao PRONASCI, novo recuo. Na Conferência Nacional de Segurança Pública, em 2009, o recrudescimento das demandas corporativas mostrou que para além de um pacto federativo em torno das prioridades para a segurança pública, vespeiros de várias ordens encontram-se incrustrados nas várias organizações policiais brasileiras.

Quando Dilma tomou posse estava pronto um plano nacional de combate aos homicídios no Brasil. Era uma tarefa árdua, mas fundamental, num país onde se matam 50 mil pessoas por ano. A presidenta logo percebeu o tamanho da empreitada e, mais uma vez, preferiu dar marcha à ré…

Em relação aos governos estaduais, que comandam as polícias, algumas tentativas de reformas também foram feitas nos últimos anos. Avança-se um pouquinho com ações de integração policial aqui, programas de prevenção acolá. Nada que altere substantivamente o modus operandi das polícias ou a forma, às vezes enviesada, de se implementar as políticas de segurança. Quando algum governador tenta ações um pouco mais ousadas, basta que as polícias ameacem com greves para que o mandatário “coloque a viola no saco” e vá pedir socorro às Forças Armadas.

Mas abundam as soluções simplistas para problemas complexos na área da segurança pública. Por exemplo, a epidemia em que se transformou o uso de drogas, especialmente o crack, depende, é óbvio, de ações que utilizem mais a inteligência policial e o tratamento das vítimas do que a repressão aos usuários. Mas por que não se avança nas políticas de incremento do aparato investigativo das polícias e se mantém o velho discurso da criminalização dos usuários como lenitivo para enfrentar o problema das drogas?

A política de criminalização do usuário, gestada nos gabinetes governamentais e não necessariamente nos quarteis policiais está equivocada. Sendo atividade meramente repressiva, o foco da política, infelizmente, parece visar mais a ações de higienização de determinadas áreas da cidade e criminalização de segmentos sociais do que à ajuda de fato aos usuários de drogas. Isso sem prejuízo, é claro, das ações policiais direcionadas a produtores e distribuidores de drogas e as gangues violentas que fazem parte desse circuito.

Rapidamente, vejamos o caso do Rio de Janeiro: as Unidades de Polícia Pacificadora são, de fato, uma tentativa, quase desesperada, de reforma das polícias cariocas cujo baixo grau de legitimidade – devido a ineficiência e os altos índices de letalidade da atividade policial, entre outros – estavam colocando em xeque a institucionalidade daquele estado federado. Importante destacar, aqui, também, a pressão internacional exercida por organismos alienígenas – tendo em vista a realização de megaeventos naquele estado -, que exigiam (e exigem) ações efetivas dos governos no campo da segurança pública para a consecução de tais empreendimentos. Será que vai dar certo? Salve Jorge!

Num dado momento até pensamos que a política de segurança está avançando. Mas de repente, nos deparamos com a realidade que vemos. Uma realidade que muitos de nós vemos pela TV; mas que milhões de brasileiros vivem e experimentam cotidianamente. De um lado, observamos os indicadores de crimes violentos; as taxas de letalidade da ação policial; a baixíssima percentagem de homicidas processados pelo sistema de justiça. Notamos, “na vida como ela é”, os velhos discursos retornando de forma retumbante: redução da idade penal; criminalização dos movimentos sociais; internação compulsória para o andar de baixo (porque são perigosos). Doutro lado, um estado penal cada vez mais robusto e legiferante, com prisões abarrotadas, que caminha a passos largos para a judicialização da política ao extremo, inclusive, agora, com a aplicação cada vez mais intensa dessa Teoria do Domínio do Fato, assinalando um perigoso retrocesso no que diz respeito às garantias fundamentais.

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