Sociedade

Piranhas Team, um grupo de autodefesa para LGBTs

Aprender a se defender e trazer diversidade para as artes marciais são os objetivos do grupo dedicado ao treinamento de Krav Maga no Rio de Janeiro

A presença de LGBTs em um espaço de artes marciais: visibilidade e integração
Apoie Siga-nos no

“Ei, viado, puta, trava! Defenda-se!”, diz o cartaz colado na parede, acompanhado da legenda “defesa pessoal para LGBTs” e os contatos do Piranhas Team.

Aprender a se defender em situações de perigo, além de ocupar e trazer diversidade a um espaço de prática de artes marciais, tradicionalmente dominados por pessoas cisgênero e héteros, são os objetivos do Piranhas Team, um grupo de LGBTs dedicado ao treinamento de Krav Maga sediado no Rio de Janeiro.

Alisson Paes, professor e um dos idealizadores da iniciativa, conta que, no Brasil, muitos espaços dedicados à luta e às artes marciais têm medo de vincular seu nome a pessoas ou causas LGBTs. Por outro lado, existem muitos grupos de defesa pessoal direcionados para esse público na Europa e nos Estados Unidos.

“O Brasil ainda está um pouco atrasado”, reflete ele, que começou a iniciativa com um pequeno grupo de amigos. A turma também participou da ocupação do Ministério da Cultura (Minc) e militava em movimentos de esquerda pelos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.  

Acolhidos pela CT Tori, uma academia no bairro carioca da Lapa, o Piranhas Team participa das aulas às terças e quintas-feiras, com horários de manhã e à noite. A mensalidade custa 80 reais e há também uma taxa de 20 reais por matrícula. 

Paes conta que a equipe testou outras artes marciais, mas acabou optando pelo Krav Maga, estilo idealizado pelo húngaro Imi Lichtenfeld (1910-1998) e adotado pelo exército de Israel.

“O Krav Maga é justamente voltado para a questão da defesa pessoal, pois oferece respostas muito rápidas para esse problema”, explica ele. 

Piranhas Team As aulas acontecem duas vezes por semana em dois horários diferentes no CT Tori

No Brasil, os índices de violência contra a população LGBT são muito altos e atingem, em especial, as pessoas trans. A inexistência de uma tipificação específica para o crime de violência contra a população contribui para a invisibilização das estatísticas.

Segundo dados compilados pelo Grupo Gay da Bahia relativos a 2016, 340 pessoas foram mortas em decorrência da LGBTfobia, 11 mortes a mais do que em 2015. A maior parte dos assassinatos ocorreu em espaços públicos por tiros, asfixia, facadas, espancamentos e outros tipos de violência.

Referentes ao ano de 2013, dados do então Ministério das Mulheres, da Igualdade Social e dos Direitos Humanos destacam uma triste estatística: todos os dias, ao menos cinco casos de violência são registrados contra pessoas LGBT. Em 2013, foram 1965 denúncias de 3.398 situações de violência, envolvendo 1.906 vítimas e 2.491 suspeitos.

O real índice de violência pode, no entanto, ser ainda maior, uma vez que há grande subnotificação e os dados disponíveis referem-se às queixas feitas por meio das ouvidorias do SUS e das antigas secretarias de Políticas para Mulheres e de Direitos Humanos, por meio do Disque 100.  

Além do ganho individual, da possibilidade de se defender em uma eventual agressão, Paes destaca outro resultado coletivo e positivo do Piranhas. “Nossa presença na academia significa romper um espaço que é tradicionalmente vedado a pessoas LGBT. Aqui, criamos um espaço coletivo em que sabemos que não passaremos por nenhum constrangimento”, afirma. O grupo já treina desde agosto de 2016. 

O Piranhas Team e o dono do CT Tori, Leandro Davi O Piranhas Team com o dono do CT Tori, Leandro Davi

Além dos problemas de discriminação, Paes acredita que limitações econômicas acabam contribuindo para a exclusão das pessoas trans, em especial, desses locais. “Uma de nossas colegas de turma, travesti, disse que não poderia continuar porque ficou desempregada e o acesso dela ao mercado de trabalho é muito difícil. Decidimos, então, ratear o valor da mensalidade para que ela continuasse conosco”, afirma.

Infelizmente, lamenta ele, a crise econômica acabou fazendo com que ela acabasse se mudando do Rio de Janeiro. “Como a dificuldade delas é muito grande, incentivamos a presença delas, rateando o valor entre os demais alunos”, afirma, explicando que, nesses casos, os alunos cisgênero dividem entre si o valor que seria pago pela pessoa trans (cisgênero ou ‘cis’ é a pessoa que atende a expectativa social de coerência da matriz de gênero). 

A existência de uma turma LGBT em uma academia de artes marciais também traz ganhos positivos para os demais frequentadores do local. “Isso faz com que esse espaço se reinterprete e passe a enxergar essas pessoas de outra maneira. Fazemos as aulas no mesmo horário de outras turmas, então os alunos convivem com travestis e transsexuais. Isso, de alguma maneira, contribui para a melhor convivência e integração entre as pessoas”, comemora.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo