Sociedade
Pernambuco: Criança de 9 anos, filha de agricultor familiar, é assassinada em área de conflito agrário
Segundo relatos, homens encapuzados invadiram a casa de uma liderança rural e efetuaram seis disparos; sindicalista critica ‘desprezo do Estado’


Uma criança de nove anos morreu baleada durante um atentado contra o seu pai, uma liderança de agricultores familiares na cidade de Barreiros (PE), a 110 km de Recife, na noite da quinta-feira 10, conforme publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares, a Contag.
Segundo a Secretaria de Defesa Social, informações iniciais apontam a invasão de homens encapuzados à residência do menino Jônatas Oliveira e do pai Geovane da Silva Santos. No ato, dispararam contra ambos. O pai sobreviveu, mas a criança não resistiu aos ferimentos.
As vítimas foram socorridas no Hospital de Barreiros. O caso está sob investigação na Delegacia Seccional de Palmares, na capital da Mata Sul de Pernambuco, em parceria com a Polícia Militar.
Em nota, a Secretaria informou que “guarnições da 10ª CIPM seguem em incursões na área com o objetivo de localizar os suspeitos” e que “no local existe o policiamento ostensivo através de Guarnições Táticas e Grupo de Apoio Tático Itinerante (GATI)”.
De acordo com depoimento de testemunha à Polícia, ao qual CartaCapital teve acesso, a invasão teve a participação de seis ou sete homens e houve pelo menos seis disparos.
Os primeiros foram direcionados ao pai, que conseguiu correr. Na sequência, os criminosos teriam se dirigido à criança, que estava agarrada à mãe, deram-lhe um chute e atiraram. Teria sido a terceira invasão à casa de Geovane.
Cícera Nunes, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores de Pernambuco, declarou à reportagem que há conflitos agrários intensos na região de Barreiros. Segundo ela, no entanto, a família não tem conhecimento da motivação do crime, de quem são os criminosos e nem de eventuais mandantes.
De acordo com a Fetape, a família da criança mora na ocupação Engenho Roncadorzinho, uma comunidade formada há 40 anos por cerca de 400 trabalhadores rurais posseiros, após a falência de usinas onde trabalhavam ou eram credores, mas não haviam recebido as devidas indenizações. Pelo menos 150 crianças vivem na área.
A Fetape afirma que, nos últimos anos, a comunidade vem sofrendo ameaças de empresas que exploram economicamente o local, com intimidações, destruição de lavouras e contaminação das fontes de água e cacimbas do imóvel por meio da aplicação de agrotóxicos.
“O lugar é deserto, eles têm medo de tudo. Não há ninguém para fazer a sua defesa”, diz a sindicalista da Fetape, que tem oferecido assistência jurídica à família, em parceria com outros movimentos sociais. “É um desprezo total do Estado. Não tem segurança pública.”
Jônatas estava no 4º ano do ensino fundamental, como informou a sua professora, Maria do Carmo Ferreira da Silva, de 41 anos, em entrevista a CartaCapital. A docente dava aulas ao garoto desde a educação infantil.
“Era um menino amoroso, evangélico”, disse a educadora da Escola Municipal José de Lima César. “O campo não aguenta mais tanta violência, a gente queria justiça. É muito difícil você viver num lugar onde você dorme com medo. É desumano, uma criança que tinha o sonho de ser jogador ou delegado, e não vai poder.”
O velório ocorreu nesta sexta-feira 11, no centro do município, que tem cerca de 40 mil habitantes.
Violência no campo dispara no Brasil, diz organização
Dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra indicam o aumento de registros de violência no campo em 2021. De janeiro a agosto do ano passado, foram contabilizados casos de violência contra a ocupação e a posse em 418 territórios. Desses, 28% são territórios indígenas; 23% quilombolas; 14% são territórios de posseiros; 13% são territórios de sem-terra, entre outros.
A organização apontou aumento de 94% nas destruições de casas, 104% nas destruições de pertences e 153% nas expulsões, em relação ao mesmo período de 2020. Além disso, os registros de assassinatos subiram 30%, chegando a 26 mortes, número maior que o de todo o ano anterior.
Ganham destaque no relatório as comunidades da Zona da Mata Sul Pernambucana, onde está localizada a ocupação em que mora a família de Jonatas. De acordo com a CPT, nessa região “a violência passou a ser parte integrante do cotidiano”. A Comissão diz ainda que os setores que mais provocaram esse tipo de violência em 2021 foram os fazendeiros (23%), empresários (18%), o governo federal (14%) e os grileiros (13%).
Para a instituição, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) incentiva essas práticas.
“O poder privado, beneficiado pelas medidas do governo Bolsonaro, foi o principal responsável pela violência contra comunidades camponesas que se encontram em luta por direitos e pela permanência em suas terras e territórios”, afirma a CPT.
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