Sociedade

Pau D’Arco: Juiz substituto solta policiais envolvidos no massacre

ONGs alertam para o risco de intimidação de testemunhas da chacina, que resultou na morte de 10 camponeses em 24 de maio

As vítimas chegaram todas mortas, os corpos gelados, no hospital de Redenção
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Treze policiais acusados de envolvimento na chacina de Pau D’Arco, no sul do Pará, foram libertados na madrugada desta quarta-feira 9 em Belém. Por volta da meia noite, o juiz substituto Jun Kubota, da Comarca de Redenção, decretou suspensão imediata da prisão preventiva dos 11 policiais militares e dois policiais civis acusados de participar da operação deflagrada em 24 de maio, que resultou na morte de dez camponeses.

A prisão temporária foi decretada há um mês, mas o Ministério Público solicitou a prorrogação, enquanto conclui o inquérito no qual apresentará a denúncia formal contra os acusados. A reclusão era uma estratégia para assegurar que as investigações seguissem sem interferência. Como o promotor Leonardo Jorge Lima Caldas tem ressaltado, diversas testemunhas só se apresentaram para falar após a prisão dos policiais. Agora, teme-se que as apurações emperrem por temor de retaliações.

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A liberação dos acusados também surpreendeu por contrariar a decisão original do juiz titular da vara, Haroldo Fonseca, em férias. Além disso, prazo de 30 dias da primeira decisão, na realidade, só se esgotaria na quinta-feira 10. De todo modo, o Ministério Público já deixou claro que vai recorrer da decisão no Tribunal de Justiça.

“As investigações não foram concluídas. Trata-se de um processo complexo, que envolve muitos atores”, afirma José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra em Marabá. “Com a libertação dos acusados de participação direta na chacina, há o evidente risco de intimidação de testemunhas e de manipulação das provas, exatamente no momento em que a Polícia Federal e o Ministério Público Estadual começam a apurar quem são os possíveis mandantes do crime”.

“Não se sabe com clareza quem faz parte dessa quadrilha e quais são as suas ramificações. Tanto que, 40 dias após o massacre, mesmo com os policiais presos, outra liderança do acampamento foi assassinada”, observa Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Rosenildo Pereira de Almeida, de 44 anos e conhecido como “Negão”, foi executado com três tiros na cabeça por dois motoqueiros em 7 de julho, no município de Rio Marias, onde ele se escondia após receber ameaças de morte.

“Desde o início, trabalhamos com a possibilidade de pedir a federalização do caso. Não fizemos a solicitação de imediato porque a Polícia Federal foi destacada para fazer uma apuração paralela e o Ministério Público Estadual montou uma força tarefa para investigar a chacina, e tem demonstrado fazer um trabalho muito sério”, diz Frigo. “Esperamos que a libertação dos acusados não prejudique esse trabalho”.

A chacina de Pau D’Arco é o maior massacre campesino desde Eldorado do Carajás, em 1996, quando 19 agricultores foram assassinados. Vinte e um anos depois e 228 quilômetros mais ao sul, a barbárie volta a ser encenada pelo braço armado do Estado. O recente morticínio é resultado de uma operação que mobilizou 29 policiais, agentes civis e militares, entre eles dois delegados e um tenente-coronel da PM. O pretexto para a violenta incursão foi o cumprimento de mandados de prisão contra suspeitos de envolvimento na morte de um vigilante. A tropa diz ter agido em legítima defesa, após ser recebida a tiros.

Acampamento A fazenda em disputa tem 5,6 mil hectares (Foto: Mario Campgnani/Justiça Global)

A versão de um sangrento confronto entre policiais e perigosos bandidos não convenceu, porém, as entidades de direitos humanos e associações dedicadas à questão agrária no estado. Havia fortes razões para desconfiar do relato oficial. Dos 25 agricultores presentes no acampamento, 10 morreram e 15 ficaram desaparecidos por até 30 horas, escondidos na mata, ainda que alguns deles estivessem baleados.

Todos os 29 policiais saíram sem qualquer ferimento do campo de batalha descrito nos autos de resistência. Na cena do crime, não sobrou nenhum corpo para dar pistas à perícia criminal. Transportadas na caçamba de picapes até a cidade vizinha, Redenção, todas as vítimas chegaram ao hospital da cidade sem vida. Além disso, os primeiros laudos periciais reforçam a tese de um massacre, sem chance de defesa às vítimas.

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