Política

Para nunca esquecer

O Museu da Lava Jato, em plena “República de Curitiba”, vai manter viva a memória dos desmandos de Moro & Cia.

Acervo. A prisão de Lula, Moro quando era considerado herói, Dallagnol, o fanático do PowerPoint, e a vigília na porta da PF - Imagem: Pedro França/Ag.Senado, Ricardo Stuckert/Instituto Lula e Franklin Freitas
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Relembrar para que nunca mais aconteça.” Este é o lema do Museu da Lava Jato, a ser inaugurado em Curitiba, inicialmente em uma versão na internet, na terça-feira 12. A escolha da data não é aleatória. Em 12 de julho de 2017, o então juiz Sergio Moro proferiu a primeira sentença contra o ex-presidente Lula no processo do tríplex do Guarujá. “O Museu do Holocausto não defende o Holocausto. O do Apartheid, na África do Sul, não defende o Apartheid. O Museu do Genocídio, em Ruanda, não defende o genocídio. Em nenhum deles constam os horrores que retratam. Com isso, concluímos que seria melhor denominá-lo Museu da Lava Jato, e que cada um faça o seu juízo de valor sobre o que representou a operação na história do País”, explica o idealizador do projeto, o advogado e professor Wilson Ramos Filho, chamado de Xixo pelos amigos.

O museu pretende ser um centro de referência e pesquisa com documentos, fotos, vídeos e depoimentos, além de abrigar um acervo em permanente construção e sistematização. Desde janeiro, 14 profissionais, entre historiadores, advogados, professores, jornalistas e fotógrafos, analisam e catalogam milhares de documentos e informações. Num primeiro momento, o acervo estará registrado e arquivado em um ambiente online. Uma sede física, em espaço de 1,2 mil metros quadrados, será inaugurada em 2023.

A espinha dorsal do projeto apoia-se em três pilares: o centro de documentação jurídico, o núcleo interdisciplinar de pesquisas científicas sobre lawfare, o uso da Justiça para perseguir inimigos, e o memorial de mídia, com imagens, depoimentos, vídeos e reportagens publicadas em vários países. O site utiliza uma ferramenta de gestão de acervo chamada Tainacan, que permite cadastrar e gerenciar o material de forma digital. Uma das maiores dificuldades na implantação do projeto foi selecionar conteúdos diante da dimensão dos processos e o volume de informações. O processo jurídico referente ao tríplex até o grau de apelação, se impresso, totalizaria mais de 20 mil páginas.

O primeiro item, acervo jurídico, é composto das principais informações processuais dos grandes casos da Lava Jato, assim como os demais procedimentos que compuseram a operação. Cada processo terá sua própria linha do tempo para facilitar o manuseio do pesquisador do início ao fim. Aqueles que ainda não findaram serão objeto de constantes revisões e atualizações das movimentações relevantes. Há ainda um glossário com a explicação dos principais termos utilizados para a catalogação. Dos 79 processos da ­Lava Jato, 45 estarão disponíveis no sistema e acessíveis às consultas, sendo 31 deles completos. As ações contra o ex-presidente ­Lula estão categorizadas numa seção própria, compostas de ações penais, ­habeas ­corpus e outros procedimentos que o envolveram. Embora seja um trabalho sem prazo de conclusão, tendo em vista o volume estratosférico de ações movidas sob o rótulo Lava Jato, o museu pretende, no futuro, catalogar todos esses procedimentos. Não apenas os criminais, mas também as ações cíveis, trabalhistas, ­administrativas e ambientais.

Idealizador. O advogado Wilson Ramos Filho, o Xixo – Imagem: Gibran Mendes

Um dos problemas que acompanham esse trabalho de catalogação é a elevada dimensão da Lava Jato. Há uma enorme dificuldade para se precisar o número de procedimentos judiciais que foram deflagrados. Além disso, muitas ações judiciais encontram-se sob segredo de Justiça, em especial as delações premiadas, o que prejudica o acesso a algumas informações relevantes para os pesquisadores.

No item número 2, o grupo interdisciplinar de pesquisas científicas sobre o lawfare vai realizar, promover e incentivar pesquisas científicas sobre o tema, em uma perspectiva que envolva pesquisadores dos campos jurídicos, da economia, psicologia, administração, política internacional, história, ciências sociais e humanas. A partir de documentos obtidos pelo Museu da Lava Jato e outros disponíveis, produzidos no País e no exterior, o grupo de pesquisas vai incentivar a realização de estudos sustentados em metodologia científica para disponibilizar não apenas opiniões sobre a Lava Jato, mas também análises acadêmicas referenciadas. Os idealizadores planejam conceder bolsas de estudo a pesquisadores de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado sobre lawfare e suas formas de violência jurídica, social, política, econômica, psicológica e institucional, com pesquisadores selecionados dentre os candidatos matriculados em programas de pós-graduação reconhecidos pela Capes.

O terceiro eixo inclui a mídia e a Vigília Lula Livre. O núcleo foi concebido a partir da experiência colaborativa que se deu na cobertura diária da vigília durante os 580 dias de prisão do ex-presidente. Enquanto os meios de comunicação tradicionais relegavam a segundo plano o acampamento permanente em frente à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, blogueiros, sites progressistas e ­youtubers deram visibilidade ao movimento, um dos marcos da resistência à condenação injusta do petista. O trabalho desenvolvido por jornalistas e fotógrafos independentes foi fundamental. De forma colaborativa, sem amarras, em constante parceria, conseguiram mostrar ao mundo o que se passava nas imediações do cárcere de Lula. Agora, na montagem do núcleo, esses mesmos profissionais foram convidados a participar do projeto de forma voluntária. O acervo conta com registros de fotógrafos profissionais e também de amadores que flagraram momentos importantes, sem equipamentos sofisticados ou técnicas avançadas de imagem. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1216 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Para nunca esquecer”

 

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