Sociedade

Para família de vítimas da ditadura, CNV trouxe justiça histórica, mas não de fato

Falta de cooperação das Forças Armadas para descobrir paradeiro dos desconhecidos é uma das maiores frustrações da comissão e dos parentes dos mortos e desaparecidos políticos

Para família de vítimas da ditadura, CNV trouxe justiça histórica, mas não de fato
Para família de vítimas da ditadura, CNV trouxe justiça histórica, mas não de fato
Protesto pelos desaparecidos na ditadura (1964-1985)
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A escassez de informações a respeito do destino de presos e desaparecidos políticos durante a ditadura era o maior desapontamento dos familiares das vítimas no dia de lançamento do relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

“A grande frustração das famílias é não saber ao certo o que aconteceu com os desaparecidos e nem saber a localização exata dos restos mortais”, afirmou Maria Eliana de Castro, irmã de Antônio Deodoro de Castro, o Raul da Guerrilha do Araguaia. Segundo ela, o irmão foi assassinado pelo major Curió, oficial que em seu livro de memórias relatou ter dado um tiro no peito de Antônio. “Quem não teve a chance de enterrar os seus mortos nunca vai esquecer o que aconteceu.”

O caso do irmão de Maria e da Guerrilha do Araguaia servem para ilustrar uma problemática encontrada pela comissão durantes as suas investigações. A falta de cooperação das Forças Armadas criou empecilhos, segundo os coordenadores, na procura por vítimas do período. “As Forças Armadas mataram esses opositores [no caso da Guerrilha do Araguaia] e tiveram os corpos em suas mãos”, afirma Pedro Dallari, presidente da Comissão Nacional da Verdade. “Como podem, agora, alegar que não sabem onde eles estão? É um fenômeno sobre o qual os militares têm absoluto controle, porque as mortes ocorrem num contexto de enfrentamento militar.”

Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, também apontou o silêncio do Exército como um mecanismo que dificultou a elucidação dos casos. “Vivenciamos a sistemática negativa da colaboração das Forças Armadas Brasileiras para alcançar os nossos objetivos.” Desde que iniciou seus trabalhos, a Comissão Nacional da Verdade localizou três corpos, em mais de 200 desaparecidos.

A frustração foi reforçada no pronunciamento de Togo Meirelles Neto, cujo pai, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, desapareceu em maio de 74 no Rio de Janeiro. “Infelizmente, a Comissão da Verdade não conseguiu reunir todas as informações sobre os desaparecidos. Infelizmente, não teve a colaboração daquele que têm as respostas.” Com a voz embargada, Togo prometeu, em nome de todos os parentes dos desaparecidos, “nunca desistir até saber tudo o que aconteceu. Essa dor nunca vai desaparecer até o dia da minha morte.”

Os familiares afirmaram, ainda assim, que o trabalho da comissão é importante e trouxe reparação histórica para o Brasil, ainda que não tenha ocorrido a prisão dos culpados. Para eles, houve uma expectativa de punição dos responsáveis que não se concretizou. “Não sou a favor da pena de morte, mas gostaria de ver os torturadores em prisão perpétua, morrendo na cadeia.”, disse Maria, que ainda espera ver os torturadores presos.

Para Damous, o relatório entregue hoje deve ser interpretado como uma “obra aberta”. “Não é o fim. Tenho certeza de que outras investigações podem aprofundar o trabalho da Comissão Nacional da Verdade”, declarou, reforçando a atuação de comissões estaduais. “Ainda não sabemos onde está o corpo de Rubens Paiva, Stuart Angel e todos os demais desaparecidos políticos do Brasil. Não vamos descansar até encontrá-los todos.”

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